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Micro/Macro
Turbilhão digital
Marcelo Gleiser
A vida moderna, mais do que nunca, se transforma
num ritmo acelerado, devido ao incessante passo
dos avanços tecnológicos. A tendência é que esse ritmo
continue sempre a aumentar, mesmo que isso venha a
requerer grandes inovações científicas.
Por exemplo, a miniaturização crescente dos computadores, que hoje têm processadores com milhões de
componentes eletrônicos, chegará forçosamente a um
limite, em que o seu tamanho será comparável ao dos
átomos. Quando isso ocorrer, o progresso em computação terá de usar um novo tipo de máquina, baseada
em processadores que serão compostos por moléculas,
os chamados computadores quânticos. Fica difícil
acompanhar essas novas tecnologias e a ciência por trás
delas. E essa dificuldade tem sérias consequências sociais. Neste ensaio, reflito mais sobre os desafios educacionais dessa revolução do que sobre a sua ciência.
Mesmo que seja óbvio que o progresso digital não só é
inevitável como bem-vindo, existem certos efeitos colaterais que devem ser pensados com muito cuidado. É
praticamente impossível, sem o devido poder aquisitivo, se manter em dia com todos os tecnobrinquedos
que existem no mercado. São DVDs, HDTVs (televisores de alta definição), palm pilots (computadores de
bolso), telefones celulares com acesso à internet, câmaras digitais e por aí a fora.
Se eu repetir essa lista em cinco anos, ela certamente
terá aparelhos que ainda nem imaginamos. Isso sem falar na constante produção de novas versões de programas, cada vez mais poderosas, que, para serem rodadas,
precisam de computadores cada vez mais rápidos.
O alto custo e a constante renovação das tecnologias
promove a existência de uma "subclasse" tecnológica,
os deixados às margens do turbilhão digital. E, como o
motor fundamental da sociedade moderna são a geração e a troca de informação, esses novos marginalizados digitais sofrem uma grande desvantagem no mercado de trabalho. Essa estratificação social é ainda
maior em países onde a distribuição de renda é muito
polarizada, como é o caso brasileiro.
Uma possibilidade é implantar um vasto programa de
"internetização" das escolas, especialmente as públicas,
aliado à formação de professores treinados no uso dessas novas tecnologias como instrumentos pedagógicos.
O problema é que um plano dessa natureza, em um país
com as dimensões do Brasil, é extremamente caro. É
impossível que o governo, sozinho, possa arcar com os
custos. E não é só isso. Devido à constante renovação
tecnológica, esse compromisso tem de ser permanente.
Sem ter a presunção de querer oferecer aqui uma solução para um problema de tal complexidade (entender
o comportamento dos átomos ou do Universo primordial é bem mais simples), gostaria apenas de sugerir
uma opção que pode ter alguma utilidade. Por que não
oferecer incentivos fiscais para que o setor privado possa financiar em parte essa "internetização" das escolas e
o preparo dos professores? A lei de incentivo audiovisual tem sido extremamente importante, por exemplo,
no sustento da indústria de documentários. Não seria
difícil imaginar algo semelhante para a educação. E os
incentivos fiscais não precisam se restringir a empresas.
O contribuinte individual também poderia tê-los.
A explosão que está ocorrendo atualmente com a
existência da internet e o fácil acesso à informação trará
(e já está trazendo) profundas modificações sociais. Em
princípio, é possível que cada um tenha uma voz, e que
essa voz seja ouvida e opiniões sejam trocadas pelo
mundo inteiro, sem nenhuma interferência geográfica
(existe uma barreira linguística, mas a verdade é que o
inglês é, de fato, a língua da rede).
Muitos estudantes brasileiros já participam desse debate. Mas muitos não sabem o que é a internet, ou como
se liga um computador. Eu vejo isso como um grande
desperdício de potencial humano, algo que deveria ser
uma preocupação de todos. O governo declarou guerra
ao analfabetismo e deu grandes passos na direção certa.
Talvez seja hora de a sociedade como um todo se mobilizar na guerra pela "internetização" das escolas.
A comunidade acadêmica pode ter aqui um papel
crucial, por meio de uma interação maior entre as instituições de ensino superior e de ensino médio. Por
exemplo, com programas como "o cientista vai à escola", em que pesquisadores colaborem com educadores
no desenho de instrumentos pedagógicos em suas
áreas, como demonstrações em salas de aula usando recursos da internet. As possibilidades são inúmeras. E a
necessidade, a julgar pela difusão da internet na vida
dos estudantes das classes mais altas, é cada vez maior.
Marcelo Gleiser é professor de física teórica do Dartmouth College,
em Hanover (EUA), e autor do livro "O Fim da Terra e do Céu"
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