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Micro/Macro
O grande colisor de matéria e antimatéria
Marcelo Gleiser
especial para a Folha
Imagine que você queira descobrir o
que existe dentro de uma laranja sem
poder cortá-la. Uma possibilidade é acelerar uma laranja contra outra a velocidades bem altas. Quando a colisão ocorre, pedaços de casca, bagaço, suco e sementes voam para todos os lados. Uma
análise desses detritos permite deduzir a
composição interna da laranja. Essencialmente, é isso o que ocorre no interior
dos colisores de partículas, máquinas gigantescas que buscam as partículas elementares da matéria.
Por elementar se entende uma partícula que não é composta por outras. Por
exemplo, um átomo de hidrogênio não é
elementar, pois é composto por um próton e um elétron. O próton também não
é, pois é composto por três quarks. Mas
os quarks e o elétron, ao que tudo indica,
são elementares. Eles são alguns dos tijolos fundamentais da matéria.
Existem vários colisores de partículas
espalhados pelo mundo, mas os dois pesos-pesados estão no Fermilab, perto de
Chicago, nos EUA, e no Cern, o Centro
Europeu de Física de Partículas, perto de
Genebra, na Suíça. Nos dois centros, máquinas aceleram partículas de matéria
contra partículas de antimatéria, em túneis circulares subterrâneos, até velocidades próximas da da luz.
As partículas e antipartículas colidem,
transformando suas enormes energias
em várias outras partículas, devido à
conversão entre massa e energia prescrita pela famosa fórmula E=mc2. (Lembre-se de que movimento também tem energia, de modo que, quanto mais rápida a
partícula, maior a sua energia.)
Antimatéria não tem nada de esotérico. Cada partícula de matéria comum,
elétrons, prótons, quarks, tem sua irmã
de antimatéria: pósitrons para elétrons,
antiprótons e antiquarks para prótons e
quarks. A diferença principal é que as
partículas de antimatéria têm cargas elétricas opostas às de matéria.
O colisor do Fermilab, chamado Tevatron, acelera prótons contra antiprótons
até energias equivalentes a 2.000 vezes a
massa de um próton multiplicada pelo
quadrado da velocidade da luz, o c2 da
fórmula. O do Cern, chamado LEP (Large Electron-Positron Collider, Grande
Colisor de Elétrons e Pósitrons), atinge
energias de até 200 vezes a massa de um
próton (vezes c2). Uma nova máquina está em construção no Cern, devendo ficar
pronta em alguns anos: o LHC (Large
Hadron Collider, Grande Colisor de Hádrons), uma versão maior do Tevatron
americano, com oito segmentos de 3,3
quilômetros cada.
Por que máquinas tão grandes (e caras,
com custos de bilhões de dólares) são necessárias para estudar algo tão pequeno?
Voltemos à colisão das laranjas. Se as laranjas forem aceleradas a baixas velocidades, as cascas nem chegarão a rasgar.
Velocidades maiores revelarão que o interior da laranja está cheio de coisas, mas
ainda não saberemos o que são elas.
Com velocidades ainda maiores descobre-se que a laranja tem suco, bagaço e
sementes. E se quisermos continuar o estudo, descobrir o que existe dentro da semente? Aumentamos ainda mais a velocidade, usamos muitas laranjas e, de vez
em quando, uma semente se choca contra outra com tal violência que elas se
quebram e vemos o que existe dentro.
Portanto, o estudo das propriedades da
matéria a distâncias muito pequenas necessita de muita energia. Por isso as máquinas têm de ser tão grandes. Pense em
como a gravidade acelera objetos que
caem: quanto maior a altura, mais violento o impacto no chão. Com os colisores é a mesma coisa: quanto maior a sua
extensão, maiores as velocidades atingidas pelas partículas.
Nos últimos 25 anos, esse quebra-quebra subatômico levou à construção do
chamado Modelo Padrão da física de
partículas, que resume tudo o que sabemos sobre a estrutura fundamental da
matéria. O futuro dos grandes colisores,
no entanto, é incerto. A menos que sejam
inventadas novas tecnologias de aceleração, e várias vêm sendo discutidas, o custo de máquinas maiores é proibitivo.
A física de partículas terá de continuar
a se alinhar cada vez mais com a cosmologia, usando o Universo como laboratório de estudo. Afinal, nenhum colisor na
Terra poderá simular as energias que
existiam momentos após o Big Bang. O
segredo da estrutura da matéria se esconde na infância cósmica.
Marcelo Gleiser é professor de física teórica do
Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do
livro "O Fim da Terra e do Céu"
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