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Ciência em Dia
O fogo de Vênus
Marcelo Leite
editor de Ciência
Um fenômeno incomum, que se repete apenas em intervalos de longos
122 anos, fez mais em prol da divulgação
e da educação científicas, nesta semana,
do que milhares e milhares de reportagens, livros e preleções. Nada substitui a
observação direta, na hora de despertar
interesse e vocação para a ciência, e um
evento com a beleza do ocorrido na terça-feira levou milhões de pessoas às ruas
para fazer algo que ninguém mais faz:
olhar para o céu.
O espetáculo esteve em princípio disponível, total ou parcialmente, para cinco sextos da população da Terra, ou seja,
para mais de 5 bilhões de pessoas. Quem
não deu azar de topar com nuvens pelo
caminho -e dispunha de um filtro obscurecido para não se ofuscar- olhou e
viu: o planeta, comumente confundido
com uma estrela, passou como uma bolinha negra diante do disco solar, 30 vezes
maior. Foram seis horas de desfile, ao todo, o bastante para maravilhar milhões.
Poucos astros estão mais presentes na
cultura e no imaginário comum do que
Vênus. É a "estrela" mais brilhante do
céu, perdendo apenas para a Lua no céu
noturno. Como é a última a desaparecer
pela manhã e a primeira a surgir após o
pôr-do-sol, ganhou uma profusão de nomes: estrela Dalva, estrela da manhã, estrela da tarde, estrela do pastor, estrela
matutina, estrela Vésper, estrela vespertina, matutina Vésper, Véspero e até
boieira e papa-ceia, no Brasil, segundo o
"Dicionário Aurélio".
Não sei hoje, mas muito tempo atrás a
explicação fascinante sobre Dalva e Vésper serem a mesma estrela, ou melhor,
um planeta, costumava ser desencadeada pela pergunta das crianças acerca da
misteriosa Dalva, estrela com nome de
mulher, quando alguém entoava a canção singela de Braguinha e Noel Rosa:
A estrela Dalva
No céu desponta
E a lua anda tonta
Com tamanho esplendor/
E as pastorinhas,
Para consolo da Lua,
Vão cantando na rua
Lindos versos de amor...
Assim como "Carinhoso", de Pixinguinha e João de Barro, "As Pastorinhas" é
provavelmente uma das canções mais
presentes na memória dos brasileiros. A
simples apresentação dos versos acima
deve desencadear a melodia inseparável
na cabeça dos leitores. Pode ser até que
os acordes se mostrem infecciosos e ocupem a mente por várias horas -pelo
menos se trata de um clássico.
Um tipo similar de comportamento
uníssono, ou unívoco, levou milhões ao
espanto, na terça, diante de Vênus e do
Sol. É assim que ciência começa.
E-mail: cienciaemdia@uol.com.br
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