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Eu, cobaia
Imunologista infectou a si próprio com parasita do amarelão para testar terapia contra alergia
ELIZABETH SVOBODA
DO "NEW YORK TIMES"
Em 2004 David Pritchard aplicou a seu
braço um emplastro
repleto de larvas de
ancilóstomos, vermes
do tamanho de alfinetes. Ele
deixou o emplastro no local por
vários dias para garantir que os
parasitas inquietos infiltrassem seu organismo.
"A coceira que você sente
quando eles atravessam sua pele é indescritível", contou. Pritchard, biólogo da Universidade
de Nottingham, não é masoquista. Ele se auto-infectou no
interesse da ciência.
Quando trabalhava em Papua-Nova Guiné nos anos
1980, ele observara que os papuas infectados por Necator
americanus, parasita intestinal
causador do amarelão, não sofriam muito de sintomas alérgicos como rinite e asma. Ao longo dos anos, Pritchard desenvolveu uma teoria para explicar
o fenômeno.
"A resposta alérgica evoluiu
para ajudar a expelir parasitas,
e achamos que os vermes encontraram uma maneira de
desligar o sistema imunológico", disse ele. "É por essa razão
que as pessoas contaminadas
com vermes apresentam menos sintomas alérgicos."
Para testar sua teoria e ver se
poderá traduzi-la em um recurso terapêutico viável, Pritchard
está recrutando participantes
que se disponham a ser infectados com dez ancilóstomos cada
um, na esperança de dar cabo
de suas alergias. Inicialmente,
Pritchard, infectou a si mesmo
para conseguir a aprovação de
autoridades sanitárias nos EUA
e no Reino Unido.
Vermífugo de graça
A ancilostomíase causa anemia e mata mais de 60 mil pessoas por ano. Mas Pritchard diz
que, usados em número pequeno, em adultos, os vermes não
têm causado problemas.
Seu interesse pelo aspecto
imunológico da infecção por
parasitas remete a 1977. Intrigado pelos relatos anedóticos
de que parasitas afastavam
alergias, fez sua tese de doutorado sobre o assunto. No final
dos anos 1980 é que foi investigar Papua-Nova Guiné.
"Não falávamos a língua local
e estávamos insuficientemente
equipados", ele recordou. "Mas
criamos uma relação com as
pessoas. Nós lhes dávamos vermífugos e, em inglês crioulo,
lhes pedíamos educadamente
que colhessem sua matéria fecal em baldes para nos dar."
O ancilóstomo infiltra o hospedeiro sob a forma de larvas
expelidas em excrementos. Peneirando as amostras fecais para extrair os vermes eliminados
depois de as pessoas terem tomado vermífugos, a equipe
chegou a uma conclusão: os
moradores locais que tinham
em seu sangue os níveis mais
altos de anticorpos relacionados a alergias apresentavam os
parasitas menores e menos férteis, indicando que aqueles anticorpos lhes proporcionavam
certo grau de proteção contra a
ancilostomíase.
Mas os ancilóstomos retaliavam. Depois de ter seu trato digestivo colonizado, o hospedeiro com freqüência dava sinais
fracos de reação imunológica,
levando Pritchard a suspeitar
que os vermes estivessem reduzindo as defesas das pessoas.
"Passar longas horas sentado
na selva nos deixa tempo para
pensar", ele observou. "E isso
levou à idéia de que cargas de
vermes de intensidade tolerável poderiam ser benéficas, sob
determinadas circunstâncias."
Vermes na internet
Em 2006, depois de seu experimento de auto-infecção, os
Serviços Nacionais de Saúde
autorizaram Pritchard a conduzir um estudo com 30 participantes, 15 dos quais receberam dez ancilóstomos cada.
Exames mostraram que, após
seis semanas, células das 15
pessoas que tinham recebido os
vermes começaram a produzir
níveis mais baixos de substâncias químicas associadas a respostas inflamatórias, indicando que seus sistemas imunológicos eram mais suprimidos.
Voluntários do teste começaram a relatar o desaparecimento de seus sintomas. A notícia
se difundiu entre alérgicos, e
surgiu no Yahoo! um grupo voltado à "terapia helmíntica".
Pritchard está agora recrutando pacientes para um teste
maior, mas algumas pessoas
que sofrem de alergias não querem esperar. O moderador do
grupo do Yahoo, Jasper Lawrence, abriu uma clínica no
México para oferecer a terapia
experimental (uma "inoculação" básica custa US$ 3.900).
"A coisa está ficando um pouco assustadora", disse Pritchard. "É evidente que existe
uma multidão de pacientes desesperados que vêem esta idéia
como cura para tudo."
Teoria precedente
Embora relatos sobre resistência alérgica proporcionada
por parasitas venham sendo
feitos há décadas, foi só em
2005 que o biólogo Rick Maizels propôs uma explicação
biológica. Quando ele infectou
camundongos com o parasita
Heligmosomoides polygyrus,
descobriu que eles produziam
mais células imunológicas T
reguladoras. Essas células modulam a resposta imunológica
produzindo interleucina-10,
um composto que combate os
efeitos inflamatórios.
A despeito da comprovação
teórica, Pritchard é alvo de críticas. "Se uma criança é infectada com 25 ancilóstomos, ela é
roubada da dose necessária
diária de ferro, e, como os vermes suprimem o sistema imune, podem aumentar a vulnerabilidade do anfitrião a doenças
como Aids e malária", disse Peter Hotez, biólogo da Universidade George Washington.
Mas Prichard não hesita em
aventurar-se onde ninguém já
foi. "Eu me infectei com 50 ancilóstomos, e senti os efeitos",
relatou. "Senti dores abdominais e tive diarréia. Mas já verificamos que dez ancilóstomos
constituem uma dose que não
causa sintomas. Os pacientes
estão contentes."
Tradução de CLARA ALLAIN
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