São Paulo, domingo, 13 de julho de 2008

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+ Marcelo Leite

Imprensa que ladra


Aos poucos, os cientistas encaram mais os repórteres


"Ciência que ladra" é o nome sensacional de uma série de divulgação científica dirigida para a Siglo XXI Editores da Argentina por Diego Golombek.
Único detentor sul-americano de um prêmio IgNobel (por ter curado jet-lag com Viagra em... hamsters), Golombek é um pesquisador sério de ritmos circadianos e grande comunicador. Dá tempo integral para mostrar que a ciência, apesar das aparências, não morde.
Golombek foi a Cambridge (EUA) receber em pessoa e com galhardia seu IgNobel. O prêmio satírico faz a festa dos jornalistas de ciência, que se lançam sobre ele como uma matilha. Mas o biólogo portenho não tem medo de repórter.
Golombek faz parte de uma estirpe de cientistas que, de Carl Sagan a Richard Dawkins, abraça a publicidade com entusiasmo -mesmo que isso implique encarar jornalistas. Aos poucos, seu exemplo se espalha entre pesquisadores. Se não ainda (ou não tanto) no Brasil e na Argentina, ao menos nos cinco países que lideram a produção científica mundial: Alemanha, EUA, França, Japão e Reino Unido.
A prova está na edição de anteontem do periódico americano "Science". Um grupo coordenado por Hans Peter Peters, do Centro de Pesquisa de Jülich (Alemanha), fez o primeiro estudo multinacional sistemático do proverbial mau relacionamento entre pesquisadores e jornalistas. Para surpresa da equipe, descobriu que eles nunca se deram tão bem.
Responderam ao questionário de Peters 1.354 cientistas com artigos publicados em periódicos de renome, durante os três anos anteriores (2002-2004), nas áreas de epidemiologia (648) e células-tronco (706). Dois terços foram entrevistados por jornalistas pelo menos uma vez.
Pasme: 57% dos respondentes se disseram "predominantemente satisfeitos" com o resultado de seu último contato com a imprensa, e só 6% "predominantemente insatisfeitos". Considerando o impacto de toda a relação sobre suas carreiras, 46% declararam ter sido "mais para positivo" e apenas 3% "mais para negativo".
Há pequenas variações entre os países. No Japão, o casamento vai menos bem que nos outros países, mas nada que ponha pesquisadores e jornalistas à beira do divórcio. O que não deixa de surpreender, porque a tônica dos estudos sobre divulgação científica tem recaído sobre as dificuldades no relacionamento -sensacionalismo da imprensa, pedantismo e distanciamento dos cientistas, e por aí vai.
Peters e seus colaboradores sondaram os pesquisadores sobre essas relações com a ajuda de 16 frases, positivas e negativas -de "os jornalistas fizeram as perguntas certas" a "fui tratado com pouco respeito". De ponta a ponta, obtiveram avaliação preponderantemente positiva.
Baseando-se em outras respostas, os autores concluem que os cientistas cada vez mais reconhecem os benefícios de relacionar-se com a imprensa. A razão mais citada (93%) é genérica: induzir "uma atitude mais positiva do público diante da ciência". Mas parece pesar muito, também, a chance de obter mais visibilidade para o próprio trabalho -tanto entre pares quanto entre financiadores.
Dominique Brossard, co-autora do estudo e professora de jornalismo da Universidade de Wisconsin em Madison (EUA), conclui: "A pesquisa mostra que os cientistas encaram interações com jornalistas como necessárias. Não precisamos mais conquistar os cientistas. Passamos desse ponto". O Brasil não tem Nobel nem IgNobel, mas ainda chega lá.

MARCELO LEITE é autor de "Promessas do Genoma" (Editora Unesp, 2007) e de "Brasil, Paisagens Naturais - Espaço, Sociedade e Biodiversidade nos Grandes Biomas Brasileiros" (Editora Ática, 2007). Blog: Ciência em Dia. E-mail: cienciaemdia.folha@uol.com.br



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