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Micro/Macro
Partículas ou cordas?
Marcelo Gleiser
especial para a Folha
A física das partículas, a parte da física
que se dedica ao estudo desses tijolos fundamentais da matéria, é a herdeira
histórica do atomismo grego, que data
de cerca de 400 a.C. Segundo os atomistas, a matéria é composta por entidades
indivisíveis e indestrutíveis, os átomos.
Todas as formas materiais na natureza
podem ser descritas como combinações
de átomos em posições diferentes, como
num jogo Lego. O que entendemos hoje
da estrutura fundamental da matéria é
muito diferente dos átomos dos gregos.
Átomos modernos não são indivisíveis,
mas formados de prótons e nêutrons em
seus núcleos, circundados por elétrons.
Mais ainda, essas partículas não são indestrutíveis, mas capazes de várias transformações e interações entre si. Demócrito jamais imaginaria que uma partícula de matéria pudesse se chocar com uma
de antimatéria, ambas desintegrando-se
em radiação eletromagnética, a conversão entre matéria e "energia" descrita pela famosa equação E=mc2. Mas o espírito
das duas é o mesmo, a busca pelas entidades fundamentais da matéria, pelo
que existe de mais íntimo por trás da realidade material que nos cerca.
Durante o século 20, grandes avanços
teóricos e experimentais levaram a uma
compreensão dessa realidade material a
distâncias extremamente pequenas. Por
exemplo, usando aceleradores de partículas extremamente sofisticados, hoje é
possível investigar o que ocorre dentro
de um próton, a um milésimo de trilionésimo de centímetro (10-15 cm).
Esse mundo é muito diferente do que
vemos à nossa volta; as regras mudam, a
física muda. Esse é o mundo do quantum, onde é impossível medir com precisão arbitrária a posição e a velocidade de
uma partícula, ou mesmo a sua energia.
A essas distâncias tudo flutua, nada pára
quieto, como se a realidade material se
transformasse em uma sopa em constante ebulição.
O que ferve é a energia do espaço vazio,
cujo valor nunca chega a ser exatamente
zero. Essas flutuações de energia levam,
através da interconversão de energia em
matéria descrita acima, à criação e destruição de partículas e antipartículas, como bolhas aparecendo e desaparecendo
constantemente em um caldeirão de sopa. Essas são as chamadas partículas virtuais, de existência efêmera, as flutuações do vácuo quântico, literalmente da
energia do espaço vazio, do nada.
Essa visão do nada quântico traz consigo um sério problema. Se tentarmos calcular a energia do espaço vazio, obteremos um resultado infinito. Ou seja, segundo a física quântica, o nada armazena uma quantidade infinita de energia.
Como nós ainda estamos aqui, algo deve
estar errado com essa descrição do nada.
Nos anos 70, foi proposto que as entidades fundamentais da matéria não são
partículas pontuais, mas cordas, entidades unidimensionais tais como cordas de
violão vistas a grande distância. Essas
cordas não têm nada a ver com as usadas
em instrumentos musicais, sendo tubos
alongados de energia vibrando freneticamente, de dimensões muito, muito menores do que o interior do próton. Portanto, elas não são visíveis nem mesmo
nos aceleradores de partículas mais poderosos que existem ou venham a existir.
Para comprovar a sua existência serão
necessárias provas indiretas, que vêm
sendo avidamente procuradas por pesquisadores do mundo inteiro- por enquanto, sem sucesso.
Mesmo que ainda não observada, a
idéia de que as entidades fundamentais
da matéria sejam cordas tem muitos defensores. Uma das vantagens é justamente o problema da energia infinita do
espaço vazio. Usando cordas ao invés de
partículas, essas energias se tornam bem
mais tratáveis. Especialmente quando
uma nova simetria é invocada, a supersimetria, em que partículas de matéria e
partículas que transmitem forças entre
elas podem ser relacionadas entre si.
As "supercordas" não só amortizam a
energia do nada como também prevêem
que as quatro forças fundamentais da
natureza, quando vistas a distâncias minúsculas, são uma só. Caso a teoria de
supercordas esteja correta, não só a matéria como todas as forças vêm delas.
Marcelo Gleiser é professor de física teórica do
Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do
livro "O Fim da Terra e do Céu"
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