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Micro/Macro
Um Universo banhado em energia escura
Marcelo Gleiser
especial para a Folha
Sei que dizer que energia é clara ou escura, ou que tem tonalidade, não faz
muito sentido. Energia, em geral, está associada a objetos em movimento, como
carros ou bolas de futebol, ou à capacidade que certos sistemas têm de causar
movimento, como uma mola contraída
(se soltar, ela se distende) ou uma bola
solta de uma certa altura (que irá cair).
Esses dois tipos de energia, cinética (de
movimento) ou potencial, são apenas
parte da história. Segundo a teoria da relatividade, matéria é apenas uma forma
de energia, e é possível, sob certas condições, converter uma na outra. Essa propriedade tem importantes conseqüências para a história do Universo, desde
sua origem até seu futuro.
Quando Einstein propôs a sua teoria
da relatividade geral em 1916, sabia que
ela teria conseqüências para a nossa
compreensão do Universo. Segundo a
teoria, a matéria pode alterar a geometria
do espaço: quanto mais massa (ou melhor, densidade) tem um objeto, mais
curvo é o espaço à sua volta. Portanto, se
soubéssemos a quantidade total de matéria no Universo, poderíamos determinar sua geometria.
Aqui entra a relação entre matéria e
energia: se matéria exerce uma atração
gravitacional sobre matéria, a energia
também o faz. Ou seja, formas de energia
podem encurvar o espaço. Se o Universo
está repleto de tipos diferentes de matéria e energia, todos contribuem para a
sua estrutura. E, se o Universo está em
um cabo-de-guerra entre expansão e
contração, a quantidade de matéria e os
vários tipos de energia irão determinar,
no final, o seu destino: expansão eterna
ou contração apocalíptica.
Observações feitas em 1998 pegaram os
astrofísicos de surpresa: elas sugeriam
que o Universo, hoje, está em expansão
mais acelerada do que no passado. Como mostrar algo tão estranho?
Astrônomos estão sempre em busca de
objetos extremamente brilhantes. Quanto mais brilhante o objeto, mais fácil enxergá-lo. Especialmente se ele está a milhões ou bilhões de anos-luz daqui. Um
de seus favoritos são as supernovas do tipo Ia, estrelas que detonam em explosões de potência inimaginável na Terra.
Segundo as teorias mais aceitas, essas
estrelas têm, todas, propriedades muito
semelhantes. Portanto, se uma próxima
é observada, pode-se inferir a distância
de outras medindo apenas a diferença
em seu brilho. Essas estrelas funcionam
literalmente como marcos de distância
pelo Universo afora.
O que se descobriu em 1998 foi que as
supernovas mais próximas têm maiores
velocidades de recessão do que as mais
distantes. Ou seja, elas estão se afastando
da Terra mais rapidamente.
Uma imagem útil é a de vários trens
saindo da estação em momentos diferentes. Em princípio, deveriam ter todos
a mesma velocidade. Mas os que saíram
mais recentemente, por algum motivo,
estão viajando mais rápido do que os já
mais distantes. A questão é: por quê?
Gravidade é uma força atrativa. Se o
Universo está em expansão acelerada, é
porque algo está causando uma espécie
de "antigravidade", uma repulsão cósmica. Einstein mesmo havia proposto
um termo em suas equações, que ele chamou de "pressão negativa", capaz de
causar uma expansão acelerada. Mais
tarde, o termo ficou conhecido como
constante cosmológica, uma possibilidade matemática sem explicação física.
Outra proposta recente é que a aceleração seja causada por um campo hipotético, chamado de quintessência -feito o éter dos gregos. A diferença entre os dois
vem do fato de que uma constante, como
já diz o nome, não muda, sendo a mesma
em todo o cosmos. Já um campo pode
variar localmente -feito a temperatura
em um quarto, maior perto de uma lâmpada do que embaixo da cama. Ambos
carregam consigo energia que, como não
pode ser vista, foi chamada de energia escura. Portanto, constante cosmológica
ou quintessência, o Universo está banhado em energia escura.
Até agora, 16 supernovas foram observadas, favorecendo a constante cosmológica. Falta saber o que é essa constante.
Ciência saudável é assim: especulações
teóricas, por mais belas que sejam, sempre cedem às observações. Afinal, o objetivo é descrever a natureza da melhor
forma possível, e não satisfazer às nossas
fantasias.
Marcelo Gleiser é professor de física teórica do
Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do
livro "O Fim da Terra e do Céu"
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