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Ciência em Dia
Falsos transgênicos e genes secretos
Marcelo Leite
editor de Ciência
Se você é um dos consumidores que
se alarmaram com as várias denúncias de presença de soja transgênica em
alimentos industrializados à venda no
Brasil, nos últimos cinco anos, prepare-se. É boa a chance de que sua preocupação tenha sido à toa, segundo um estudo
da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz).
Em causa está a possibilidade de ocorrência de falsos positivos, ou seja, de uma
falha metodológica nos testes de DNA
que indicaram a presença, nos produtos
alimentares, do transgene que confere
resistência ao herbicida glifosato à soja
RR (Roundup Ready), da Monsanto.
A pesquisa foi feita pelo INCQS (Instituto Nacional de Controle de Qualidade
em Saúde, da Fiocruz, www.incqs.fio
cruz.br), que se prepara para realizar no
Brasil esses testes para detecção de ingredientes transgênicos, a partir de meados
do ano. A farmacêutica e bioquímica
Paola Cardarelli, do INCQS, explica que
os eventuais falsos positivos decorrem
do fato de que os testes já homologados
para uso oficial não identificam o transgene, diretamente, mas seqüências de
DNA associadas com ele.
Cabem aqui uns parênteses explicativos. Transgene é a seqüência de DNA
(gene) tirada de um organismo de uma
espécie e enxertada em outro de outra espécie. No caso, o gene EPSPS, que dá à
soja resistência ao herbicida glifosato (ou
Roundup, como se chama a marca da
Monsanto), foi retirado da bactéria
Agrobacterium tumefaciens e transferido para a planta. Graças a ele, o vegetal se
torna capaz de degradar o veneno, que
pode então ser aspergido sobre a plantação -matando só as ervas daninhas, e
não os valiosos pés de soja.
Ocorre que a modificação genética da
soja não envolve só o gene EPSPS. Com
ele são incluídas, na chamada construção (ou "cassete"), outras seqüências de
DNA, necessárias para que o gene de interesse seja utilizado pela planta com eficiência e da forma pretendida -para
que ela produza nas folhas, por exemplo,
as enzimas que degradam o glifosato. Essas seqüências incluem pedaços de DNA
chamados de promotores (antes do gene
EPSPS) e terminadores (depois).
Na soja RR e em 75% das plantas geneticamente modificadas, usa-se um promotor (35S) retirado do vírus do mosaico da couve-flor (Camv). A maioria dos
testes para identificação de ingredientes
transgênicos em alimentos busca a seqüência de "letras" químicas característica do promotor viral 35S, e não o transgene propriamente dito (o EPSPS de origem bacteriana). Para surgir um falso
positivo, basta que o alimento testado
contenha o vírus, muito comum em verduras como couve-flor, brócolis e couve
-que por sua vez entram como ingredientes em vários alimentos industrializados, como sopas instantâneas.
O grupo de Cardarelli analisou 19
amostras desses vegetais e 52 de alimentos industrializados que os continham
como ingredientes. Comprovou que o
promotor 35S aparece nos dois grupos.
Mais: verificou que algumas das amostras positivas para o promotor 35S deram negativo quando o teste usou sondas específicas para trechos do gene
EPSPS propriamente dito.
Uma das razões para os testes homologados usarem só o promotor é o segredo
normalmente mantido quanto à seqüência do transgene, por razões de propriedade intelectual. Para Cardarelli, a manutenção desse tipo de segredo é incompatível com a realização de testes confiáveis para detectar transgênicos.
E-mail: cienciaemdia@uol.com.br
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