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Ciência em Dia
Os três Pês da pesquisa
Marcelo Leite
editor de Ciência
Prioridade, publicação e patentes. Esses são os três principais fatores de
motivação no campo da tecnociência.
Não são excludentes, mas pode ocorrer
certa tensão entre eles, em particular
quando há competição entre grupos
-como a corrida no início deste ano entre uma equipe brasileira e outra chinesa
para sequenciar (soletrar) o genoma da
bactéria Leptospira interrogans.
A L. interrogans e sua prima L. biflexa
são as responsáveis pela leptospirose,
doença infecciosa transmitida principalmente pela urina de roedores durante
enchentes. Dependendo do ano, podem
ocorrer milhares de casos e centenas de
mortes no Brasil. Decifrar letra por letra
do DNA da bactéria tem por objetivo
identificar genes e, por extensão, proteínas (genes são trechos de DNA que especificam a sequência de aminoácidos na
proteína) que sirvam de alvos para a pesquisa de vacinas e de testes diagnósticos.
No Brasil, um grupo de 47 pesquisadores de 30 instituições se lançou à tarefa.
Ele foi coordenado pela farmacêutica
Ana Lúcia Tabet Oller do Nascimento,
do Instituto Butantan de São Paulo, com
a colaboração da filial baiana da Fiocruz
(Fundação Oswaldo Cruz) e da Rede Onsa da Fapesp (Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo).
Segundo Nascimento, os brasileiros foram batidos em apenas um mês por uma
equipe chinesa. O artigo dos concorrentes chineses, liderados por Guoping
Zhao, saiu no semanário científico "Nature" (www.nature.com) em 24 de abril.
Por coincidência, a edição comemorativa dos 50 anos de publicação, na mesma
"Nature", do artigo de James Watson e
Francis Crick com a estrutura do DNA.
O grupo do Brasil também havia submetido em fevereiro deste ano um artigo
com a sequência completa de cerca de
4,7 milhões de "letras" do genoma- da
L. interrogans, mas à revista mensal "Nature Genetics" (www.nature.com/ng),
do mesmo grupo. Apesar dos elogios de
"referees", especialistas independentes
que opinam sobre a qualidade dos trabalhos submetidos, o artigo foi recusado
pelo editor da "Nature Genetics".
A recusa deixou os brasileiros intrigados, conta Nascimento. Um mês depois,
a publicação do artigo da equipe de Guoping na "Nature" desfez o mistério, pois
o trabalho havia sido submetido em outubro de 2002, quatro meses antes da
pesquisa brasileira (embora tenham corpos editoriais separados, cientistas acreditam que as publicações mantêm comunicação para evitar redundâncias).
O consórcio financiado pela Fapesp
havia porém garantido para si um outro
tipo de prioridade, a proteção à propriedade intelectual. Numa palavra, patentes. Já em fevereiro de 2002, ciente da
pressão competitiva chinesa, o grupo havia depositado provisoriamente no escritório de patentes dos EUA nada menos que 2.000 sequências de DNA identificadas por ferramentas informáticas como genes/proteínas potenciais.
A idéia era garantir pelo menos o que
Nascimento chama de prioridade de uso
e um ano de vantagem para analisar e caracterizar as 2.000 proteínas. Desse pente-fino resultaram 24 candidatas fortes a
alvos para vacinas, como noticia a edição
deste mês da revista "Pesquisa Fapesp"
(revistapesquisa.fapesp.br), que os brasileiros confirmaram em fevereiro passado como pedidos firmes de patentes.
Apesar de cederem aos chineses a prioridade de publicação, fonte tradicional
do prestígio científico, os pesquisadores
daqui estão na dianteira no que se refere
à chance de auferir vantagens econômicas das eventuais descobertas.
Quem perde e quem ganha com isso?
E-mail: cienciaemdia@uol.com.br
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