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Micro/Macro
O grande dilema de Einstein
Marcelo Gleiser
especial para a Folha
Em 1916, após quase dez anos de trabalho (não exclusivo), Einstein concluiu a Teoria da Relatividade Geral, na
qual mostra que a atração gravitacional
entre dois corpos pode ser interpretada
como causada pela curvatura do espaço
em torno deles: quanto maior a massa,
maior a curvatura do espaço criada.
Como a Teoria Geral inclui a Teoria Especial de 1905, não só a massa pode encurvar o espaço, mas também a energia.
Afinal, existe uma relação profunda entre massa e energia, conforme expressa a
equação E=mc2.
Empolgado com a sua belíssima teoria,
Einstein deu um passo ambicioso: já que
a curvatura do espaço é ditada pela presença de massa e energia, se fosse possível estimar a massa-energia do Universo
inteiro, a teoria poderia ser usada para
determinar a geometria do cosmo.
Imagine só, determinar a forma do
Universo usando apenas papel, lápis e as
equações da Relatividade Geral. Sem dúvida, um dos grandes triunfos da razão
humana. Em 1917, Einstein propõe a sua
solução para a geometria cósmica, inaugurando a era da cosmologia moderna.
Segundo Einstein, o Universo deve ser
estático, ou seja, o mesmo no passado e
no futuro. Essa hipótese não era completamente aleatória: na época, não havia
razão maior para crer em um Universo
dinâmico, que muda no tempo.
Apenas algumas observações astronômicas, ainda não muito confiáveis, mostravam um afastamento das nebulosas
distantes. Vale lembrar que somente em
1924, após o trabalho do astrônomo
americano Edwin Hubble, ficou claro
que o Universo está cheio de galáxias como a Via Láctea. Antes disso, com telescópios pouco potentes e precisos, achava-se que o Universo fosse a Via Láctea.
Fora um cosmo estático, ecoando Platão, Einstein acreditava que ele deveria
ser o mais simétrico possível, no caso,
com a geometria de uma esfera. Existe
mesmo uma elegante propriedade em
um Universo esférico: ele é finito, já que
qualquer circunavegação acaba por voltar ao seu ponto de saída.
Por outro lado, como o leitor pode visualizar no caso de uma esfera em duas
dimensões (a superfície de uma bola),
uma esfera não tem fronteiras, já que
qualquer ponto em sua superfície é perfeitamente equivalente a qualquer outro.
Portanto, Einstein propôs um Universo
estático e esférico, finito e sem fronteiras,
onde todos os pontos são equivalentes.
Como calcular as suas propriedades?
Se o cosmo é esférico, as coisas ficam
muito mais fáceis. Para caracterizar uma
esfera precisamos apenas saber o raio,
um número. Segundo as equações da
Relatividade Geral, esse número, que determina a geometria cósmica, deve ser fixado pela matéria existente no Universo.
Para reduzir a distribuição de matéria a
apenas um número, Einstein propôs o
Princípio Cosmológico, segundo o qual
o Universo, quando visto a grandes distâncias, é, em média, idêntico. Claro, se
olharmos para o céu estrelado, ele não
tem nada de idêntico. Mas a idéia é olhar
a distâncias realmente enormes, de milhões de anos-luz (a Via Láctea tem um
diâmetro de 100 mil anos-luz).
Restava resolver as equações e determinar o raio do Universo como função
da quantidade de matéria. Mas aqui surgiu um problema; a gravidade, sendo
atrativa, resulta em um Universo instável. Não era possível obter um Universo
estático, esférico e com uma distribuição
média constante de matéria-energia.
Einstein propôs uma saída: adicionar
um novo termo às equações, conhecido
hoje como "constante cosmológica". Esse termo funciona como uma força repulsiva, equilibrando o universo de Einstein. Em 1917, ele escreveu para Willem
de Sitter: "A teoria da relatividade permite a introdução desse termo. Um dia,
nosso conhecimento do céu irá nos ajudar a determinar empiricamente se o termo existe ou não. Convicção é um bom
motivo, mas um péssimo juiz".
Em 1931, com a confirmação da expansão do Universo por Hubble, Einstein
abandona a constante cosmológica. Mas
volta e meia ela reaparece, como é o caso
agora. Ainda estamos à espera dessa determinação empírica.
Marcelo Gleiser é professor de física teórica do Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "O Fim da Terra e do Céu"
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