São Paulo, domingo, 16 de maio de 2004 |
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+ ciência Allan Snyder diz que sabe "ligar" a criatividade no cérebro de um ser humano como quem acende uma luz A MÁQUINA DO GÊNIO
Helen Phillips da "New Scientist"
Correr riscos é uma das coisas que mais me motivam", diz Allan Snyder. O espantoso é que tantas outras pessoas concordem de bom grado em
vestir o "capacete" especial que ele criou, para
que Snyder possa transmitir impulsos magnéticos fortes a seus cérebros, numa tentativa de transformá-los
-temporariamente- em "gênios" autistas. O pesquisador, que é diretor do Centro da Mente, na Austrália,
não explicaria o que faz exatamente com essas palavras.
Ele diria que desliga as funções cerebrais superiores para tentar imitar determinados sintomas da doença
mental. Mas é basicamente a mesma coisa. Snyder quer
ver se é capaz de transformar uma pessoa comum em
uma excepcional.
Soa drástico, mas o fato é que o uso de impulsos magnéticos para desligar a atividade cerebral é rotineira em hospitais e departamentos de neurologia. Chamada estimulação magnética transcraniana, ou TMS, ela é usada como ferramenta de pesquisa para verificar a presença de efeitos colaterais de cirurgias cerebrais e para detectar a função de partes do cérebro. A idéia é simples: basta colocar um campo magnético sobre o couro cabeludo e você vai interromper a atividade elétrica em uma parte de seu cérebro, do mesmo modo que colocar um ímã num computador pode travar o disco rígido. Snyder e seus colegas decidiram focalizar a TMS em cima da área de Miller -o lobo frontotemporal esquerdo-, na esperança de que danos temporários e reversíveis a essa área permitissem o surgimento de habilidades "geniais" especiais. No ano passado o teste foi feito, primeiro com o próprio Snyder, depois com 11 voluntários, em condições experimentais. No fim de 2003, Snyder publicou os resultados iniciais de seu estudo (no "Journal of Integrative Neuroscience", volume 2, pág. 149). Falemos primeiro do lado negativo. Apenas quatro dos 11 voluntários reagiram à TMS. Mas isso não é tão incomum assim, diz Niels Birbaumer, do Instituto de Psicologia Médica e Neurobiologia Comportamental da Universidade de Tübingen, na Alemanha. "Em algumas pessoas acontece o efeito, e em outras, não", diz ele. Alterações de estilo Entretanto, diz Snyder, nas quatro pessoas que reagiram, a TMS exerceu efeitos notáveis. Primeiro ele analisou o estilo em que as pessoas desenhavam antes, durante e depois dos 15 minutos de TMS. Pediu aos sujeitos que desenhassem pessoas de memória, depois de terem visto fotos delas por pouco tempo, e animais, a partir de sua imaginação. Não se pode muito bem dizer que a TMS tenha levado os sujeitos a desenhar melhor, mas parece tê-los levado a mudar seu estilo. Pode-se dizer que os desenhos se tornaram mais naturais. Os efeitos duraram cerca de 45 minutos, o que leva a crer ou que a TMS tivesse efeitos que se prolongaram, ou que os sujeitos aprenderam uma nova maneira de fazer coisas. Três das quatro pessoas que reagiram também relataram estados de consciência alterados, dizendo que perceberam mais os detalhes. Snyder também queria um teste mais objetivo, então pediu a seus sujeitos que fizessem a revisão de sentenças contendo, cada uma, um erro não evidente. Sem a TMS nenhum deles identificou os erros, mas com a TMS dois sujeitos tiveram probabilidade maior de detectá-los. Um deles viu seu índice de acerto passar de zero a 70%, outro de zero a 50%. Snyder diz que isso é prova de que a TMS faz os sujeitos verem o mundo como ele é. "Como os "gênios" autistas, eles ficam muito mais literais." Snyder também está desenvolvendo um conjunto de exames para testar habilidades matemáticas, analisando a geração de números primos e as habilidades de cálculo de calendário, além de habilidades musicais. Outros cientistas já tiveram resultados que respaldam as idéias de Snyder. A psicóloga Robyn Young e seus colegas na Universidade Flinders, em Adelaide, Austrália do Sul, num primeiro momento eram céticos em relação à teoria de Snyder, mas analisaram uma gama maior de habilidades sob o efeito da TMS. Ela pediu a voluntários que recordassem listas de nomes, endereços e telefones, que reproduzissem imagens que lhes tinham sido mostradas por pouco tempo, avaliassem tons musicais como sendo mais altos, mais baixos ou iguais ao tom padrão usado no exame e que identificassem os números primos no meio de uma longa lista de números. Cinco de 17 voluntários tiveram melhoras. Se Snyder e sua equipe tiverem razão, e todos nós possuirmos habilidades "geniais" ocultas, ele sugere implicações interessantes. Ele prevê que a TMS possa nos proporcionar, ao menos temporariamente, acesso a habilidades "geniais", como afinação musical perfeita, memória melhor ou facilidade para aprender uma língua sem sotaque. Mas a idéia favorita de Snyder é que ele possa usar a máquina de TMS como "chapéu pensante", para aumentar a criatividade. É uma afirmação e tanto. Os psicólogos não conseguem chegar a um consenso sobre o que é a criatividade nem de onde ela vem, mas uma coisa sobre a qual todos concordariam é que as habilidades "geniais" são tudo, menos criativas. Elas podem parecer criativas, mas na realidade não passam de uma cópia elaborada, diz John Geake, que estuda criatividade na Universidade Oxford Brooks, no Reino Unido. Um pianista "gênio" pode reproduzir uma peça inteira que ouviu apenas uma vez antes, mas seria incapaz de compor ou improvisar. Snyder não discorda dessa visão. "Está claro que as habilidades "geniais" são pura imitação", diz ele, "quase o oposto da criação." Mas ele afirma que existe uma ligação entre a "genialidade" e a criatividade. Ser criativo, ele explica, diz respeito a interligar idéias aparentemente díspares de maneira nova. É possível, então, que olhar rapidamente para o mundo da maneira como o "gênio" o vê, destituído de enquadramentos mentais, ajude a formar tais vínculos. É uma idéia que Snyder e sua equipe acabam de propor ao mundo da ciência neurológica (""Journal of Integrative Neuroscience", volume 3, pág. 19). E, o que não surpreende, as primeiras reações têm sido céticas. Embora, de modo geral, concorde com Snyder que nosso cérebro subconsciente tem muito em comum com os "gênios" autistas, Birbaumer não aceita a teoria de Snyder relativa à criatividade. "É especulativa e improvável", diz ele. Entre demonstrar vislumbres de habilidades semelhantes às dos "gênios" em todos nós e situar essas habilidades no cerne de uma teoria da criatividade, a distância é grande. Há muitas teorias sobre o que faz o cérebro ser criativo, mas nenhuma delas, até hoje, foi comprovada. Nem todo o mundo se deixará convencer pela idéia de Snyder sobre o que faz a mente ser criativa. Mas ela é ousada, original e, o que é mais importante, pode ser testada. Ela pode ser maluca. Por outro lado, também é possível que seja um lampejo espantosamente criativo. Tradução de Clara Allain Próximo Texto: Micro/Macro: Oppenheimer e a bomba Índice |
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