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Micro/Macro
Oppenheimer e a bomba
Marcelo Gleiser
especial para a Folha
Assim escreveu o físico J. Robert Oppenheimer, líder do Projeto Manhattan, que projetou e construiu as primeiras bombas atômicas norte-americanas, após o primeiro teste em 1945: "Sabíamos que o mundo jamais seria o mesmo. Algumas pessoas riam, outras choravam. Mas a maioria permaneceu em
silêncio. Me recordei de uma passagem
das escrituras hindus, o Bagavad-Gita:
Vishnu, tentando convencer o príncipe a
concluir suas tarefas, assumiu sua forma
com vários braços e disse: "Agora sou a
Morte, destruidora de mundos". Acho
que todos nós, de uma forma ou de outra, estávamos pensando a mesma coisa". Mais tarde, em 1948, Oppenheimer
declarou, "os físicos conheceram o pecado". Nenhum físico encarna tão claramente a complicada relação entre ciência, ética e moral.
Oppenheimer foi escolhido para liderar o Projeto Manhattan pelo general
Leslie R. Groves, que comandava a operação em nome do governo. As credenciais científicas de Oppenheimer eram
impecáveis: físico brilhante, ele já havia
demonstrado sua criatividade em vários
projetos, incluindo um em que ele obteve os primeiros resultados sobre buracos
negros. Sua capacidade de liderança
também era óbvia; em sua posição como
professor na Universidade da Califórnia
em Berkeley e no Instituto de Tecnologia
da Califórnia, Oppenheimer, treinado
nos melhores centros da Europa, formou
a primeira geração de físicos teóricos dos
EUA. Ele era respeitado pelos melhores
físicos do mundo, inclusive Einstein e
Bohr. A única "sombra" em seu currículo era a sua posição política. Embora Oppenheimer negasse a acusação, alguns
políticos o consideravam um comunista.
Talvez até um espião da União Soviética.
O debate sobre a afiliação política de
Oppenheimer continua até hoje. O que
se sabe é que as acusações foram usadas
na década de 50 para desligá-lo de seu
cargo de diretor da Comissão Americana
de Energia Atômica. Por trás das manobras estava outro físico, Edward Teller,
que discordava da política de antiproliferação nuclear defendida por Oppenheimer. Não havia dúvida que os físicos que
trabalharam no Projeto Manhattan o fizeram com medo de que a Alemanha
produzisse uma bomba atômica durante
a guerra. A possibilidade de Hitler com a
bomba era assustadora. Mas, após os
episódios de Hiroshima e Nagasaki, a
maioria dos físicos mudou radicalmente
de posição. Desenvolver outras armas
nucleares, como a bomba de hidrogênio,
centenas de vezes mais poderosa do que
as bombas de fissão nuclear jogadas no
Japão, era imoral.
Mas não para Teller, um húngaro radicalmente anticomunista. Para ele, era
apenas questão de tempo até que os soviéticos desenvolvessem não só bombas
de fissão como as de urânio e plutônio,
mas também as de fusão. E a possibilidade de Stalin ter bombas termonucleares
sob seu poder era quase tão assustadora
quanto Hitler. Para Teller, o único caminho para a segurança nacional era a corrida armamentista: um país com essas
armas jamais seria atacado.
Em 1952, os EUA começaram a construção da bomba H. Oppenheimer, talvez paradoxalmente, inicialmente também tomou parte. Mas logo começou a
sua oposição. Teller não iria permitir isso. Em 1953, um relatório para o Congresso dizia que "muito provavelmente,
Oppenheimer era um agente soviético".
Não havia qualquer evidência de fato incriminadora. Um processo foi aberto, no
qual vários físicos defenderam a integridade de Oppenheimer. O prêmio Nobel
I. I. Rabi declarou: "Vocês têm vários tipos de bomba atômica. O que mais querem? Vocês estão escrevendo a vida de
um homem". Um homem que emergiu
da Segunda Guerra como herói nacional
e que, em 1954, teve cassado o seu acesso
à política nuclear. Teller, usando a paranóia do medo que surte grande efeito na
política norte-americana até hoje, acabou vencendo. Como disse em 1995
Hans Bethe, integrante do Projeto Manhattan: "Eu peço aos cientistas de todos
os países que parem de trabalhar no desenvolvimento de armas nucleares ou
quaisquer armas de destruição em massa". Mas as pesquisas continuam, alimentadas pelo medo e por um senso distorcido de patriotismo. Uma vez conhecido o pecado fica difícil retornar ao caminho da virtude.
Marcelo Gleiser é professor de física teórica do
Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do
livro "O Fim da Terra e do Céu"
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