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Ciência em Dia
Ontogenia e filogenia
Marcelo Leite
editor de Ciência
Arrisco afugentar leitores, com os palavrões do título, na confiança de
que terão visto em algum momento do
passado escolar uma ilustração como essa mais à direita. Sim, é verdade que embriões de vertebrados têm muita coisa
em comum, sobretudo nos primeiros estágios de desenvolvimento, como mostra a figura. E a coisa toda parece ter uma
misteriosa base molecular, ou seja, isso
está "inscrito" no DNA dessas espécies.
A descoberta de David Haussler e seu
grupo, da Universidade da Califórnia em
Santa Cruz, foi notícia há nove dias, inclusive nesta Folha. Eles encontraram
481 trechos de DNA -a maioria fora de
genes- com pelo menos 200 letras químicas (bases nitrogenadas) coincidentes
nos genomas de homens, ratos e camundongos, que chamaram de "elementos
ultraconservados" (pois a simples taxa
normal de mutação tornaria extremamente improvável que isso acontecesse).
O que a reportagem de minha autoria
omitiu foi a hipótese de que esses trechos
fósseis e misteriosos de DNA de vertebrados estejam diretamente implicados
no que se chama de regulação dos genomas e, mais especificamente, na regulação daqueles genes cruciais para o desenvolvimento inicial de cada indivíduo
(ontogenia). Sendo tão fundamentais, o
organismo teria muito a perder caso
ocorresse neles a lenta acumulação de
mutações chamada evolução -daí a sua
conservação ímpar, mesmo em meio ao
surgimento de espécies ao longo de centenas de milhões de anos (filogenia).
Quem chamou minha atenção para a
relação entre a descoberta de Haussler e
a conhecida semelhança no desenvolvimento de vertebrados -resumida na
célebre frase "a ontogenia recapitula a filogenia"- foi o geneticista brasileiro
Marcelo Nóbrega, que trabalha no Laboratório Nacional Lawrence Livermore,
dos EUA. Ele havia participado há coisa
de um ano de descoberta similar, ainda
que numericamente mais modesta: a
descoberta de alguns elementos ultraconservados entre homens e camundongos nas vizinhanças de um gene estranhamente apelidado de DACH (de
"dachshund", a raça canina; nomes de
genes, aliás, merecem coluna à parte).
"O que para mim esses estudos estão
mostrando agora é que finalmente nós
encontramos a base molecular dessa observação clássica", afirmou Nóbrega
num e-mail. "As seqüências [de DNA]
que são responsáveis pela formação dessas partes do corpo, nesse momento tão
crucial do desenvolvimento embrionário, foram mantidas intactas durante
centenas de milhões de anos."
Assim como o futebol, a biologia é
mesmo uma caixinha de surpresas.
E-mail: cienciaemdia@uol.com.br
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