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Micro/Macro
Uma lua muito exótica
Marcelo Gleiser
especial para a Folha
Júpiter, o planeta gigante do Sistema
Solar, tem 39 luas conhecidas. Só em
2001, foram descobertas 11. Algumas delas são extremamente exóticas, como é o
caso de Io, que tem vulcões ativos jorrando compostos sulfurosos a 300 quilômetros de altitude. E isso em um corpo celeste apenas um pouco maior do que a
nossa Lua, que, em comparação, é extremamente inerte e passiva.
Devido a sua órbita muito alongada em
torno de Júpiter, a atração gravitacional
entre Io e o planeta em torno do qual o
satélite gira tem enormes variações:
quanto mais perto de Júpiter, maior a
força gravitacional sobre Io. (E sobre Júpiter, já que, como diz a terceira lei de
Newton, a cada ação corresponde uma
reação igual em sentido contrário. O leitor certamente já experimentou a eficácia dessa lei ao dar uma topada em uma
pedra. Só que Júpiter não se abala muito
com a atração exercida por Io.)
A atração gravitacional exercida por
Júpiter sobre Io é tão gigantesca que o nível de sua superfície sofre variações de
mais de cem metros. Só como comparação, o efeito de marés aqui na Terra pode
provocar uma variação no nível do mar
de uns 18 metros, no máximo.
O exemplo de Io mostra como o foco
da exploração atual do Sistema Solar foi
ampliado nas últimas décadas, englobando hoje não só os planetas, mas, também, as suas luas, corpos celestes de
grande individualidade, mundos estranhos e fascinantes. Apesar dos dramáticos estertores de Io, a lua mais fascinante
de Júpiter para mim é outra, conhecida
como Europa.
Tanto Io quanto Europa foram descobertas em 1610, quando o grande cientista italiano Galileu Galilei apontou o seu
telescópio para os céus. Ele percebeu
quatro objetos orbitando Júpiter, as suas
quatro maiores luas. Muito esperto, Galileu apressou-se em chamar as novas luas
de "estrelas de Medici", na tentativa (que
funcionou muito bem) de conquistar o
favor do poderoso líder de Florença, Cosimo 2º de Medici. O que passou despercebido para Galileu e, até há pouco tempo, para todos os astrônomos, foram justamente as exóticas propriedades dos satélites jovianos, u seja, de Júpiter.
A sonda espacial Voyager-2 capturou
imagens impressionantes de Europa. Para começar, ao contrário das outras três
grandes luas de Júpiter (que incluem, fora Io, Ganimede e Calisto), Europa não
tem crateras. A sua superfície é relativamente lisa, com traços alongados aparentando veias varicosas. Análises mais
detalhadas mostram que a superfície de
Europa é composta por uma camada de
gelo de aproximadamente cinco quilômetros de espessura.
O mais interessante é o que existe abaixo dessa camada: um oceano, provavelmente de água salgada, com pelo menos
50 quilômetros de profundidade. As ranhuras na superfície provavelmente são
cicatrizes de fraturas que ocorrem ocasionalmente, causadas por variações gravitacionais como as sofridas por Io. Uma
vez aberta uma fissura na superfície, a
água escapa das entranhas de Europa,
congelando quase que imediatamente.
Um mundo aquático, como no clássico
de ficção científica soviético "Solaris", de
Andrei Tarkovsky. Nesse filme, o planeta
aquático era uma entidade viva, capaz de
materializar os desejos inconscientes das
pessoas. Não acredito que Europa chegue a tanto, mas certamente a presença
de água líquida transformou-a em um
dos melhores candidatos para a existência de vida extraterrestre.
Infelizmente, um projeto que levaria
uma sonda com uma broca especial até
Europa para colher amostras de sua água
foi cancelado pelo governo Bush, que no
momento prefere explorar o petróleo
iraquiano. Mas os cientistas interessados
em Europa não se deram por vencidos.
Uma nova proposta está sendo estudada, em que a sonda a ser enviada não é
maior do que uma bola de basquete. Seu
objetivo não é extrair uma amostra da
água de Europa, mas confirmar de fato a
sua presença através de estudos das vibrações sísmicas da lua joviana. Caso o
projeto vingue e a presença de água salgada em Europa seja confirmada, será
impossível ignorar os seus mistérios.
Marcelo Gleiser é professor de física teórica do
Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do
livro "O Fim da Terra e do Céu"
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