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Ciência em Dia
A comédia dos transgênicos 2
Marcelo Leite
editor de Ciência
O governo de Luiz Inácio Lula da Silva está colhendo o que plantou no
campo minado dos alimentos transgênicos. Depois de anos beneficiando-se do
plantio ilegal de soja geneticamente modificada, sobretudo no Rio Grande do
Sul, a Monsanto anunciou há pouco que
vai tentar cobrar royalties sobre a soja
clandestina que contiver o transgene da
empresa para tornar a leguminosa resistente ao herbicida Roundup (glifosato),
fabricado pela própria empresa.
A Monsanto pode alegar que está no
seu direito, pois se trata de propriedade
intelectual pirateada por sojicultores
gaúchos. Afinal, a pirataria foi obliquamente reconhecida e oficializada pela
medida provisória de Lula que permitiu
a comercialização da soja transgênica
"Maradona" (as sementes eram contrabandeadas da Argentina). A firma pode
também dizer que foi uma das primeiras
a denunciar o plantio clandestino.
Por outro lado, também é verdade que
a célere adesão dos agricultores à soja
"Maradona" foi repetidamente usada
como argumento a favor da liberação da
variedade Roundup Ready da Monsanto, cujo licenciamento está pendente de
decisão judicial final desde 1998. O raciocínio embutido era que se trataria de
uma vantagem clara para os fazendeiros,
se tantos deles estavam dispostos a adotar a tecnologia, mesmo sendo ilegal.
Além disso, a ausência de danos à saúde
ajuda a disseminar a noção de que a RR é
segura, e não o desastre que só os inimigos da tecnologia estariam apregoando.
Outra maneira de encarar o sucesso de
Maradona entre os gaúchos o qualifica
como um sintoma grave do aparelho regulador brasileiro, no caso a CTNBio
(Comissão Técnica Nacional de Biossegurança): sua inoperância -ou negligência, tanto faz- na hora de policiar as
atividades agrícolas com transgênicos.
Por mais competentes que fossem os
burocratas, técnicos e cientistas que a
compõem e compuseram, o fato é que o
próprio escopo da comissão (meramente técnica) e a extração de seus membros
indicava uma predisposição a favor da
transgenia. Como convicção individual,
nada há de errado com ela; quando se
traveste em política pública e, mais, impede o cumprimento da obrigação de
impedir que organismos geneticamente
modificados clandestinos se espalhem
pelo país e pelo consumo alimentar -aí
a coisa muda de figura. "Prevaricar", no
caso, é um dos verbos que vêm à mente.
Os defensores da biotecnologia baseada em engenharia genética (transgenia)
apostam que ela é irresistível e que regulação alguma restritiva à sua introdução
no mercado será eficaz. Pode ser. Mas
existe também a questão do acompanhamento dos transgênicos depois que eles
chegam ao mercado. Quem não vê problema algum aí deveria atentar mais para
a dificuldade de encontrar soluções após
o fato consumado, como fica evidente
agora na ameaça da Monsanto de cobrar
royalties dos exportadores.
Mesmo partidários do pragmatismo
anglo-saxão têm motivo para começar a
considerar a questão pós-mercado. A comemorada manifestação da Royal Society britânica (www.royalsoc.ac.uk)
que insiste na segurança dos transgênicos também alerta para a necessidade de
meios analíticos para monitorá-los. E a
Iniciativa Pew sobre Alimentos e Biotecnologia (
pewagbiotech.org/research/postmarket), dos EUA, divulgou relatório apontando lacunas no aparelho regulador norte-americano, tido como exemplar por defensores dos transgênicos.
E-mail: cienciaemdia@uol.com.br
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