São Paulo, domingo, 18 de julho de 2004 |
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CAUBÓIS DO ESPAÇO
BURT RUTAN, LENDA VIVA DA ENGENHARIA AEROESPACIAL AMERICANA, ANUNCIA INTENÇÃO DE TENTAR GANHAR EM SETEMBRO O PRÊMIO DE US$ 10 MILHÕES A SER DADO AO PRIMEIRO QUE REALIZAR DOIS VÔOS SUBORBITAIS EM UMA NAVE PARTICULAR COM ESPAÇO PARA TRÊS TRIPULANTES A UMA ALTITUDE DE 100 KM Salvador Nogueira da Reportagem Local
Ele já projetou cerca de 40 aeronaves tripuladas. É famoso no meio por seus designs ousados, criativos e
-contrariando as máximas dos engenheiros com
relação ao excesso de inovações- notavelmente
bem-sucedidos. Foi reverenciado como o criador do Voyager, o avião que executou durante nove dias a primeira
circunavegação aérea da Terra sem reabastecimento, em
1986. Para este ano, Elbert "Burt" Rutan, 61, pretende revolucionar a noção de vôo espacial. Em questão de dias,
ele anunciará oficialmente o esforço de sua empresa para
conquistar o cobiçado Prêmio X Ansari. A tentativa será
no fim de setembro.
Trata-se de uma competição iniciada em 1996 que dará
US$ 10 milhões ao primeiro empreendedor que conseguir
lançar uma nave reutilizável para três pessoas duas vezes a
uma altitude de cem quilômetros, num período de duas
semanas. "Um anúncio será feito ainda neste mês", disse
Rutan à Folha. "Mas nós vemos como o grande marco o
que conseguimos realizar em 21 de junho."
Na manhã daquele dia, milhares de pessoas se reuniram
no aeroporto da pequena cidade de Mojave, em pleno deserto californiano, para ver a última façanha do engenheiro. Um estranho avião, chamado White Knight (Cavaleiro
Branco), decolou, levando preso à sua barriga um pequeno veículo espacial. Com capacidade para três, a SpaceShipOne naquele dia levava apenas o piloto de prova Mike
Melvill, 62, um dos quatro contratados pela Scaled Composites para testar suas aeronaves experimentais. Melvill
estava prestes a se tornar o primeiro astronauta a decolar
por fora das asas de uma agência governamental.
O White Knight espiralou pelo ar até atingir a altitude de
15 quilômetros. Então, a SpaceShipOne se desprendeu da
barriga do avião e acionou seu propulsor-foguete. Não era
a primeira vez que isso acontecia, na verdade. Outros três
vôos com propulsão haviam sido conduzidos antes, com
aumento gradual do tempo de queima do combustível. Na
tentativa anterior, também executada por Melvill, a nave
atingira 65 km de altitude. Agora seria a vez da queima
completa, levando o veículo acima dos 100 km -onde
99% da atmosfera terrestre ficou para trás e o céu é negro
mesmo durante o dia, local também conhecido como espaço. Foi o primeiro vôo da SpaceShipOne anunciado
previamente, transformando o aeroporto de Mojave num
verdadeiro "Woodstock espacial", com pessoas chegando
a acampar no estacionamento para ver o que consideram
o início de uma nova era.
Melvill teve problemas para controlar a nave no início
da subida -algo que nunca havia ocorrido antes-, mas
os sistemas de reserva do veículo funcionaram perfeitamente, permitindo que o objetivo da missão fosse cumprido. Depois de subir como um foguete, a SpaceShipOne
alterou a posição de suas asas para aumentar o arrasto
com a atmosfera, freando o veículo. Assim que ele atingiu
velocidades subsônicas (menos de 1.100 km/h), as asas
voltaram à sua posição padrão e Melvill pilotou o veículo
em um vôo planado até a pista do aeroporto de onde a nave e o White Knight haviam decolado, uma hora e meia
antes.
De volta à Terra, ele foi recebido não só por um público
entusiasmado, mas por Burt Rutan, o criador do projeto, e
Paul Allen, o magnata co-fundador da Microsoft que pôs a
mão no bolso para ver a coisa acontecer. O investimento
na criação da nave consumiu cerca de US$ 20 milhões. Pode parecer bastante, mas é café pequeno em termos do
custo de qualquer lançamento tripulado ao espaço conduzido por agências governamentais. Enviar um ônibus espacial da Nasa à órbita terrestre, por exemplo, custa em
média US$ 600 milhões. E o desenvolvimento da frota
consumiu bilhões, ao longo de uma década.
É bem verdade que uma missão do ônibus espacial é
muito mais complexa do que um vôo da SpaceShipOne.
Enquanto o primeiro sustenta uma tripulação por 7 a 14
dias em órbita da Terra, voando a cerca de 28.000 km/h, a
SpaceShipOne faz uma escalada suborbital, atingindo
uma velocidade máxima de uns 5.000 km/h e oferecendo
somente três a quatro minutos de sensação de ausência de
peso, a chamada condição de microgravidade. Mas há
quem aposte no desenvolvimento de veículos suborbitais
como o início de um processo que levará à criação de naves para viagens à órbita terrestre e até mesmo à Lua a um
custo realmente baixo. "A Força Aérea dos EUA havia começado esse caminho crítico com o primeiro espaçoplano
reutilizável, o X-15, mas ele foi abandonado durante a corrida para a Lua. Em 1961, nós tiramos as ogivas de nossos
mísseis balísticos intercontinentais e colocamos nossos
valentes astronautas no topo deles, em vez de prosseguir
com o desenvolvimento do X-15. Ainda estamos vivendo
com o legado dessa decisão", disse à Folha Peter Diamandis, o americano que criou o Prêmio X Ansari inspirado
pela história da aviação -mais especificamente a instituição do Prêmio Orteig, que motivou o jovem ás americano
Charles Lindbergh a cruzar o Atlântico em seu Spirit of St.
Louis, fazendo um vôo de Nova York a Paris em 1927.
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