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Micro/Macro
Férias no espaço
Marcelo Gleiser
especial para a Folha
Que tal começar a planejar as férias de
2020? Destino: o espaço, ou melhor,
um vôo a uma altitude de aproximadamente 100 km, considerada a fronteira entre a atmosfera terrestre e o espaço sideral.
Preço? Talvez uns US$ 20 mil. Caro, sem
dúvida. Mas o preço deverá cair com o
tempo. Em 2050 será já bem mais barato.
Parece ficção científica, mas não é. Muito
em breve, o espaço não será província apenas de astronautas treinados pela Nasa ou
organizações governamentais para-militares; o espaço será acessível a qualquer cidadão com dinheiro para pagar a passagem.
A era da exploração privada do espaço,
com fins comerciais, começou dia 21 de junho, quando o piloto Mike Melvill, contratado da companhia americana Scaled
Composites, alcançou uma altitude de 100
km com o foguete SpaceShipOne. Primeiro, a nave foi alçada a uma altitude de 15
km por um avião chamado White Knight.
O foguete foi então liberado e, após planar
por alguns instantes, seus jatos, usando um
combustível combinando óxido nitroso
(usado em carros "envenenados") e borracha, bem menos inflamável do que a mistura de hidrogênio e oxigênio usada pelo
ônibus espacial da Nasa, o transportaram
acima da atmosfera. O piloto relatou que a
experiência foi "quase religiosa". "É uma
coisa sensacional, a Terra lá em baixo. Deu
para ver a sua curvatura." Ele não chegou a
entrar em órbita, pois sua velocidade horizontal era de apenas 1 km por segundo e
são necessários 8 km por segundo. Mas ele
ficou em queda livre durante três minutos;
para ilustrar o efeito, abriu um saco de balas e as deixou flutuando pela cabine até
começar a viagem de volta.
Melvill é o primeiro homem a atingir o
espaço em veículo construído pela iniciativa privada. Um novo capítulo foi escrito na
história da exploração espacial. A empresa
para a qual ele trabalha está atrás de um
prêmio de US$ 10 milhões, o Prêmio X Ansari, que será dado ao primeiro foguete pilotado por humanos e construído pela iniciativa privada, capaz de carregar o peso
equivalente a três pessoas até uma altitude
de 100 km duas vezes em duas semanas.
Ou seja, o veículo deve não só voar acima
da atmosfera terrestre, mas, também, pousar e retornar ao ponto de partida. O veículo SpaceShipOne foi construído com uma
doação de US$ 20 milhões de Paul Allen,
co-fundador da Microsoft.
Mas a Scaled Composites não é a única
empresa atrás do prêmio. Mais de 20 competidores estão inscritos, prometendo
muita criatividade. Por exemplo, um grupo do Canadá terá seu foguete lançado do
maior balão de hélio já construído. E isso é
típico da conquista do ar pelo homem,
motivar a iniciativa privada através de prêmios.
O próprio Santos Dumont voou em torno da Torre Eiffel e ganhou um prêmio de
100 mil francos, que doou para caridade.
(Ele não precisava do dinheiro.) Em 1927,
Charles Lindberg atravessou o Atlântico
para ganhar o Prêmio Orteig, de US$ 25
mil. Agora é a vez do Prêmio X Ansari. Claro, o dinheiro é muito menos importante
do que a glória do feito e sua repercussão
financeira. Não é difícil imaginar que muita gente irá querer correr os riscos inerentes aos vôos espaciais para ter essa experiência "quase religiosa". Há aqui um paralelo entre a exploração marítima e aérea da
Terra, que também teve riscos. Até hoje,
navios naufragam e aviões caem. Mas o desejo de querer ir além é muito mais forte.
Em um futuro próximo, companhias especializadas irão levar pessoas ao espaço,
além da atmosfera terrestre. (A Verig, Viação Espacial Rio Grandense.) Hotéis orbitais serão construídos, estações de banhos
em que piscinas de águas térmicas imersas
em cabines transparentes permitirão vistas
únicas de nosso planeta, enquanto saboreia-se uma caipirinha. A gravidade poderá ser simulada com a rotação do hotel espacial, de modo que os clientes não fiquem
flutuando durante todas as suas férias.
(Mas quem quiser flutuar pode, em módulos sem rotação.) Dos hotéis orbitais até férias na Lua ou em Marte é só questão de
tempo. E com a criatividade e competição
de mercado que regem a iniciativa privada,
não será nem tanto tempo assim.
Marcelo Gleiser é professor de física teórica do Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro
"O Fim da Terra e do Céu"
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