|
Texto Anterior | Índice
Ciência em dia
O conto das células de cordão
Marcelo Leite
editor de Ciência
O público nem tem noção, mas um debate importante para sua saúde está
acontecendo no Brasil -ou melhor, deveria acontecer, pois pouca gente participa
dele. Refiro-me à questão das células de
cordão umbilical, em torno das quais floresce um negócio aparentemente rentável.
Nada contra alguém ganhar dinheiro,
claro, desde que a atividade não implique
engodo. Os bancos privados de células de
cordão em funcionamento, que oferecem
serviços diretamente aos consumidores,
são fiscalizados por entidades como Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e CFM (Conselho Federal de Medicina), e se presume que bem fiscalizados.
Fique o leitor avisado, porém, de que as
aplicações terapêuticas disponíveis são
poucas, e as doenças a que se aplicam, raras. Quem se dispuser a pagar os mais de
R$ 3.000 cobrados de cara por esse tipo de
serviço -fora anuidades de R$ 300 a R$
600 para manter o material congelado-
precisa saber disso (quem ligar para um
dos bancos notará que o conto narrado
tem muito mais finais felizes).
O sangue do cordão é coletado logo após
o nascimento, para obtenção de células-tronco, material do qual se pode obter, em
princípio, qualquer tipo de célula. Caso
uma futura doença possa ser curada ou
tratada com reposição, o paciente poderia
sacar dessa poupança celular paga por seus
pais (e fazer um transplante dito autólogo).
É mais promessa do que realidade, mas, vá
lá, compra quem quer.
Mais promissora parece a perspectiva de
um banco público de células de cordão,
com potencial para beneficiar qualquer
um que venha a precisar desse tipo de terapia, e não só o proprietário das células entesouradas num banco privado. Calcula-se
que 12 mil cordões seriam estatisticamente
suficientes para garantir compatibilidade
com qualquer brasileiro, caso necessite de
um transplante (heterólogo, nesse caso).
Há 2.500 novos pacientes necessitados de
transplante a cada ano no Brasil, em geral
de leucemia. Hoje são atendidos por transplantes de medula óssea, que também têm
células-tronco, mas a busca por doador
muitas vezes é infrutífera e pode se estender ao exterior (e custar US$ 40 mil). O
SUS paga 50 pesquisas por ano. Há previsão de chegar a 200, mas a verba disponível
não deve passar muito de US$ 8 milhões.
Os defensores de um banco público único de células de cordão dizem que ele custaria aproximadamente isso, US$ 10 milhões, mas para beneficiar cerca de 1.500
pessoas por ano. É certo que o volume colhido do cordão é pequeno e limita o tratamento hoje a pacientes com até 60 kg, uma
desvantagem em relação ao transplante
tradicional de medula óssea. Por outro lado, as células de cordão, mais "imaturas",
têm potencial menor para causar rejeição
em quem as recebe.
Carlos Alberto Moreira Filho, superintendente do Instituto de Ensino e Pesquisa
do Hospital Israelita Albert Einstein de São
Paulo, diz que a instituição se dispõe a custear os US$ 10 milhões para criar um banco
público. Só falta normatizar aspectos operacionais, o que teria de ser feito pelo Ministério da Saúde -o qual, segundo Moreira Filho, tem se mostrado receptivo.
Em se tratando do Brasil, porém, parece
mais provável que continuem a proliferar
os bancos privados. Não basta a boa vontade dos técnicos do ministério -que anda
infestado por vampiros.
E-mail: cienciaemdia@uol.com.br
Texto Anterior: Micro/Macro: Férias no espaço Índice
|