São Paulo, domingo, 19 de outubro de 2003 |
Próximo Texto | Índice
Jared Diamond, autor de "Armas, Germes e Aço", relativiza o papel da comunicação no sucesso das sociedades e destaca riscos ambientais HISTÓRIA X GLOBALIZAÇÃO
Reinaldo José Lopes free-lance para a Folha
À primeira vista, o caminho que conduziu o biogeógrafo americano Jared Diamond do estudo da evolução dos pássaros à busca de grandes padrões da história humana parece tortuoso.
Na realidade, conta ele, foi uma volta às origens: "Cresci
durante a Segunda Guerra Mundial, o que significava
mapas na minha parede, nos quais meu pai punha alfinetes mostrando os eventos e linhas de combate no Pacífico -história e geografia por todo lado".
Qual é o peso da história evolutiva sobre o comportamento humano, na sua opinião? Há alguns sociobiólogos que diriam: "Os homens das cavernas eram agressivos há 40 mil anos, as pessoas ainda são agressivas hoje, então os humanos ainda têm seus instintos agressivos". Isso é provavelmente verdade, mas não me parece muito útil. Mesmo que nossos instintos agressivos tenham uma longa história, ainda temos de lidar com eles. Ou, para dar outro exemplo, há alguns sociobiólogos extremistas que diriam: "Animais do sexo masculino tentam passar adiante seus genes e farão muitas coisas para conseguir isso, algumas das quais não são bonitas, como colocar à força seus espermatozóides em fêmeas que não os querem -isso se chama estupro". Ou seja, o estupro tem uma longa história evolutiva. É útil dizer hoje, quando um homem estupra uma mulher, que ele só está seguindo o que seus genes foram programados para fazer 1 milhão de anos atrás? Bem, talvez sim, talvez não, mas ainda temos leis contra o estupro. A coisa mais importante da história humana nos últimos 10 mil anos consistiu em aprovar leis para nos impedir de fazer as coisas nojentas que costumávamos fazer. O contato com seus amigos da Nova Guiné e com outras sociedades de caçadores-coletores parece ter sido muito importante para o desenvolvimento de suas teorias. O sr. acha que algo fundamental pode se perder se essas sociedades desaparecerem? Bem, essas sociedades de caçadores-coletores estão desaparecendo. Acho que daqui a dez anos não restará nenhuma. O que perdemos com isso? Bem, algumas coisas -como as línguas. O mundo tem 6.000 línguas, e esses idiomas têm uma história muito longa, sua própria poesia e música. No ritmo atual, há pouca chance de sobrevivência intacta. Entendo que há políticas governamentais para impedir que esses grupos sejam contactados. Os missionários e comerciantes são proibidos de entrar lá. O risco é que mesmo esses últimos povos sabem o que acontece no mundo lá fora: eles vêem os aviões lá em cima, já viram camisas e barcos. Mesmo que o mundo não os force a adotar essas coisas, muitas vezes eles as querem e vão fazer a troca. Certa vez, o sr. disse que ninguém deveria considerar que a arqueologia é um desperdício de dinheiro, porque ela é a melhor forma de aprender sobre desastres e de tentar evitá-los no futuro. Os humanos são capazes de aprender essa lição como espécie? Espero que sim. Há 50 anos, pouca gente sabia do assunto, mas hoje, se você ligar a TV, é bem provável que veja algum programa sobre povos do passado. E é inevitável se perguntar por que essas sociedades tiveram sucesso ou não. Por exemplo, no Brasil de hoje, sei que o Amazonas não é o Estado mais rico nem o mais populoso. Mas, se você olhar para os resultados da arqueologia, descobrirá que, ao longo do rio Amazonas, há alguns milhares de anos havia populações realmente densas, que viviam da agricultura e que estavam entre as primeiras do Novo Mundo a fabricar cerâmica. Elas existiram por milhares de anos. Poderia ser útil para os brasileiros descobrir como foi que povos conseguiram ser tão bem-sucedidos e ricos à beira do Amazonas por tanto tempo. Isso nos leva à pergunta seguinte: o que o sr. pode dizer sobre seu novo livro? Meu novo livro, que espero publicar no começo de 2005, é sobre como as sociedades entram em colapso -como os maias no Yucatán, os antigos iraquianos e o povo da ilha de Páscoa, no oceano Pacífico. São sociedades que entraram em colapso como resultado de seu fracasso em resolver problemas ambientais similares aos que enfrentamos hoje. Por exemplo, na Amazônia brasileira de hoje, vocês têm grandes problemas com o desmatamento. Isso causa mudanças climáticas, e os maias e o povo da ilha de Páscoa desapareceram por causa desses problemas. Um dos trechos mais tocantes de seu livro "O Terceiro Chimpanzé" é a descrição das extinções em massa causadas pelo homem no fim da Era do Gelo. O sr. acha que a humanidade está perto de repetir isso? E o que se perde com essa diminuição da biodiversidade? No ritmo atual, metade das espécies animais e vegetais existentes estarão extintas ou ameaçadas quando meus netos forem velhos, daqui a uns 50 ou 70 anos. Pode-se dizer: Quem se importa? Que diferença isso faz? Bem, plantas e animais nos dão o que se chama de serviços ecológicos. Por exemplo, insetos e muitos pássaros polinizam nossas árvores e nossas colheitas. Quando você plantar trigo ou milho, terá de sair polinizando cada pé de trigo sozinho. Isso seria uma quantidade imensa de trabalho, que faria o trigo custar US$ 200 o quilo, enquanto insetos e pássaros fazem isso de graça. Em "O Terceiro Chimpanzé", o sr. chamou de "ato de insensatez suicida" o envio de sinais de rádio da Terra para o espaço, para que alguma possível civilização alienígena os captasse. O sr. acha que todas as espécies inteligentes tentariam primeiro o caminho do conflito? Talvez não todas, mas eu chutaria que 99 em cada 100 delas o fariam. O melhor exemplo é o que aconteceu na Terra. Temos uma espécie extremamente inteligente, Homo sapiens, e veja só o que ela fez a outros membros de sua própria espécie, quando os ingleses chegaram à América do Norte e quando os portugueses chegaram ao Brasil. Por acaso eles procuraram os nativos americanos, sentaram com eles e tentaram ser bonzinhos? Claro que não. Eles os exterminaram, infectaram e tomaram suas terras. Então eu diria que, se houver alguma espécie inteligente num planeta girando em torno da estrela Alfa Centauri, e se eles vierem para a Terra, é melhor nós corrermos para nossos abrigos antibombas, ou do contrário esses seres do espaço vão fazer conosco o que ainda estamos fazendo com macacos, chimpanzés e outros seres humanos. O que falta para transformar a história humana numa ciência "de verdade", como o sr. propôs? Já há muito trabalho sendo feito para transformar a história em algo que seja, em média, uma ciência preditiva. Digo "em média" porque as pessoas dizem, de forma bastante correta, que ninguém jamais será capaz de prever a história. E isso é perfeitamente verdadeiro, porque o que uma pessoa faz pode fazer a diferença e é difícil de prever. Um exemplo extremo: em 11 de setembro de 2001, 19 pessoas enfiaram aviões em três de nossos maiores prédios. Isso produziu grandes mudanças nos EUA, mudanças que entre outras coisas foram muito ruins para a economia. O que eu acho possível de prever em geral é que países do Terceiro Mundo podem ver o que acontece no Primeiro Mundo, querem isso para eles e tentarão consegui-lo emigrando para os países do Primeiro Mundo, ou tentando construir honestamente suas economias, ou tentando construí-las desonestamente, ou se voltando para o terrorismo. Na média, pode-se predizer esse tipo de grande padrão. O sr. se considera fundamentalmente otimista ou pessimista sobre o futuro do planeta e da espécie humana? Eu me descreveria como cautelosamente otimista. Não acho que as coisas sejam sem esperança, porque se eu achasse isso iria pular da janela do segundo andar da minha casa agora mesmo e jamais teria tido filhos. Por outro lado, acho que temos grandes problemas e que temos de enfrentá-los. Se não os resolvermos, vamos estar numa grande encrenca. Além disso, os riscos que enfrentamos hoje, os grandes riscos, são todos riscos que nós mesmos criamos e, portanto, podemos contorná-los. Então, por exemplo, no Brasil, está completamente dentro das capacidades de vocês parar com o desmatamento da Amazônia. Não são alienígenas de Marte que estão destruindo a floresta -a escolha é de vocês. Próximo Texto: Micro/Macro: O debate quântico Índice |
|