|
Texto Anterior | Índice
Ciência em Dia
É isso aí, companheiro
Marcelo Leite
editor de Ciência
Mesmo quem nunca votou em Fernando Gabeira, nem leu o livro "O
que É Isso, Companheiro?", tem razões
para admirar-se com sua coerência e
com sua decisão de deixar o PT, depois
dos safanões que o partido de Lula e Dirceu andou dando na política ambiental
(para não falar da social, da econômica,
da de direitos humanos etc., pois este
não é o local apropriado).
Ambiente, porém, constitui um desses
temas em que a complexidade -e portanto a pesquisa científica- é ingrediente fundamental. Gabeira, em seu discurso de despedida, pôs o dedo na ferida: o
governo lulista parece estar impregnado
de uma visão produtivista estreita da
economia, como os dirigentes socialistas
do Leste Europeu antes da queda do Muro de Berlim, em 1989.
A coisa pode ser resumida assim: se a
saúde do ambiente ficar no caminho da
meta de produção fixada, azar dela.
Quem visitou a cidade de Bitterfeld, na
antiga Alemanha Oriental, antes da reunificação do país em 1990, teve uma visão
dantesca do que essa determinação revolucionária pode provocar na paisagem e
na qualidade do ar. É óbvio que o desenvolvimentismo capitalista também pode
engendrar desastres de igual calibre, como fica provado com a vizinha Cubatão,
mas muita gente supunha que uma das
coisas que estavam sendo revolucionadas na esquerda ocidental pós-Muro era
sua visão da política ambiental.
É ocioso discutir, nesta altura, se o claro viés antiambiental do governo do PT
decorre do passado stalinista de alguns
de seus integrantes (mesmo porque muitos de seus críticos à esquerda não o são
em menor medida), ou se, ao contrário,
escorre da recém-adotada opção preferencial pelo capital, sobretudo o financeiro. Simplificando e reduzindo muito
algo que os economistas e cientistas sociais deveriam estar esmiuçando melhor,
funciona assim: para não cair em desgraça em Wall Street, o país precisa de quantidades crescentes de dólares; o agronegócio é no presente uma grande fonte de
moeda forte; logo, vale tudo para favorecê-lo e às suas exportações.
A guinada pró-transgênicos do PT instalado no poder é apenas a ponta do iceberg. Gabeira, e mais discretamente a
ministra Marina Silva, contribui para fazer dela algo com importância provavelmente maior do que de fato tem, no varejo -na medida em que a soja resistente a
herbicida está longe de ser o mais problemático dos organismos geneticamente
modificados. No atacado, porém, sua resistência pertinaz pode se revelar acertada, pois terá talvez forçado uma discussão e um controle públicos que, de outro
modo, seriam soterrados sob o trator
tecnocientificista da CTNBio (Comissão
Técnica Nacional de Biossegurança).
Engana-se mais uma vez quem acreditar que essa motoniveladora vai atropelar só a questão dos transgênicos. Ela já
está abrindo o terreno para as estradas
da soja no cerrado e na Amazônia, assim
como para um acréscimo das taxas de
desmatamento e uma revisão da política
de demarcação de terras indígenas.
De um modo ou de outro, esse desenvolvimentismo empedernido tem sido a
marca de Lula em seus primeiros dez
meses no Planalto. Gabeira só erra ao dizer que ele, na questão dos transgênicos,
foi mais longe do que FHC -que na realidade só não fez mais a favor deles porque não conseguiu. Os companheiros de
Gabeira foram à Justiça e o impediram.
E-mail: cienciaemdia@uol.com.br
Texto Anterior: Micro/Macro: O debate quântico Índice
|