São Paulo, domingo, 20 de abril de 2003 |
Próximo Texto | Índice
+ ciência EM BUSCA DE TRÓIA
Marcelo Ferroni free-lance para a Folha
Alguns dizem que a obra não passa de criação literária. Outros, que é possível descobrir traços
históricos nessa que é uma das epopéias mais
importantes para a formação da literatura ocidental: a "Ilíada", obra em 24 cantos atribuída ao poeta
grego Homero, escrita por volta do século 8º a.C. A narrativa, provavelmente posta no papel a partir de uma
tradição oral mais antiga, conta o período final do cerco
de dez anos que os gregos empreenderam à cidade de
Tróia, na Ásia Menor, por volta do século 12 a.C.
À beira do fim Com base em cálculos de historiadores da Antiguidade, estima-se que a guerra de Tróia -ou as guerras- tenha ocorrido entre 1346 a.C. e 1127 a.C., sendo que a data mais aceita seria a de 1184 a.C. Nessa época, não havia ainda surgido nada do que posteriormente se tornou famoso no mundo grego: as cidades-Estado, a democracia e a tragédia. A região era dominada pela civilização micênica -assim batizada graças à poderosa cidade de Micenas, no sul da Grécia. Seus membros falavam uma forma arcaica da língua grega e conquistaram a sofisticada cultura cretense, que antes dominava o Egeu. Tornaram-se, assim, uma mistura de ricos comerciantes, que levavam vida palaciana, e guerreiros ferozes, cujos elmos de dentes de javali aterrorizavam o Mediterrâneo. Por volta de 1200 a.C., essa civilização poderosa chega ao seu fim. Muitas cidades são incendiadas, outras saqueadas. O poder centralizado perde a sua força. "Há um despovoamento dos grandes centros, além do fim da escrita e da arquitetura monumental", comenta Hirata. "Toda a vida palaciana perde o sentido, o poder se pulveriza." O que se segue é uma época conhecida como idade das trevas. Há uma desagregação total da vida na região. E é justamente no século 8º a.C., época em que surgem a "Ilíada" e a "Odisséia" -narração da volta de Odisseu (Ulisses) a Ítaca após a guerra de Tróia-, que o mundo grego começa a se recompor. "A "Ilíada" conta provavelmente a história dos povos micênicos em uma de suas guerras para saques e fundação de empórios comerciais", diz Hirata. "Ao que tudo indica, eles não queriam estabelecer cidades. Às vezes, agiam como se fossem piratas, saqueando os centros urbanos." Teorias antigas As tentativas de explicar as bases históricas por trás da Guerra de Tróia são antigas. Tucídides (460-400 a.C.), um dos maiores historiadores gregos, já buscava explicações para o que ocorrera na época. "Agamêmnon, ao que me parece, devia ser um dos governantes mais poderosos de seu tempo, e foi por essa razão que ergueu um exército enorme contra Tróia", diz ele, no início da "História da Guerra do Peloponeso". Suas especulações se estendem até aos tamanhos dos exércitos envolvidos: "É questionável se podemos confiar totalmente nas estimativas de Homero, porque, já que era um poeta, deve ter exagerado". O assunto ganhou interesse renovado quando o empresário alemão Heinrich Schliemann (1822-1890) iniciou em 1871 as escavações no monte Hissarlik, na Turquia, atrás de ruínas da cidade lendária. "Schliemann tentava usar a arqueologia como um instrumento para validar os textos homéricos, escritos cerca de quatro séculos após os possíveis eventos", afirma Hering. "Com isso, deixou de tomar alguns cuidados ao escavar a região." Na pressa de encontrar indícios que comprovassem o relato, o pesquisador alemão acabou fazendo uma confusão de datas: explorou e descobriu tesouros de uma Tróia mil anos mais antiga que a descrita na "Ilíada". Escavações posteriores apontaram uma outra camada de ruínas, conhecida como Tróia 7, que parece ser a cidade contemporânea aos relatos de Homero. Provavelmente destruída por um incêndio, ela representa um centro urbano pequeno, longe do que aparece nas narrativas. Novas polêmicas Não foi só o artigo na revista "Geology" que trouxe o assunto de Tróia à tona. Em outubro passado, uma polêmica entre pesquisadores alemães fazia lembrar os próprios embates entre gregos e troianos. Coordenador das escavações nas ruínas de Tróia desde 1988, o arqueólogo Manfred Korfmann, da Universidade de Tübingen, participou de uma exposição em que mostrava um centro urbano muito maior e mais importante do que se imagina atualmente. Segundo ele, sua equipe descobriu indícios de uma cidade espalhada ao redor da atual cidadela, o que poderia indicar que Tróia era realmente tão importante quanto a descrição de Homero. A exposição, chamada "Tróia: Sonho e Realidade", contava inclusive com uma reconstituição tridimensional da cidade, composta a partir dos indícios descobertos por Korfmann. A especulação gerou uma disputa entre ele e Frank Kolb, historiador da mesma universidade. Segundo o jornal norte-americano "The New York Times", Kolb chegou a dizer que seu colega trabalhava com pura fantasia. "Ele é o Von Däniken da arqueologia", disse o professor, referindo-se ao escritor que afirma que astronautas extraterrestres visitaram a Terra em épocas remotas e contribuíram para a formação de civilizações antigas. Próximo Texto: Micro/Macro: Como datar a origem da vida Índice |
|