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Ciência em Dia
Florestas para inglês ver e americano discutir
Marcelo Leite
editor de Ciência
O Brasil prossegue um país intrigante. Dono da maior extensão de floresta tropical contínua e intacta do mundo, pouco discute o futuro desse tesouro
de biodiversidade. E, quando o discute,
costuma fazê-lo em inglês.
Por exemplo, na revista norte-americana "Science" (www.sciencemag.org),
publicada pela SBPC dos Estados Unidos, a AAAS (Associação Americana para o Avanço da Ciência). Na edição do último dia 21 de março, trouxe duas cartas
-assinadas por pesquisadores brasileiros e gringos- que debatem polidamente a questão das Flonas (Florestas
Nacionais) brasileiras. A tora da discórdia está na proposta de permitir a exploração comercial da madeira em 500 mil
km2 dessas áreas de proteção ambiental.
Salvo engano, o vocábulo "Flona" esteve ausente das seções de cartas da maioria dos jornais e revistas brasileiros nos
últimos meses. Provavelmente, é desconhecido pela maioria dos cidadãos do
país. Há muitos responsáveis por essa ignorância, a começar dos jornalistas.
As cartas na "Science" provêm de duas
instituições similares e, de certa maneira,
parceiras em seu foco sobre a Amazônia
brasileira. Trata-se de ONGs de pesquisa
surgidas em Belém em grande medida
sob a liderança de ecólogos americanos:
o Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental
da Amazônia) e o Imazon (Instituto do
Homem e Meio Ambiente da Amazônia).
Em agosto de 2002, Adalberto Veríssimo e colaboradores do Imazon haviam
defendido em artigo na mesma "Science" que o Programa Nacional de Florestas (PNF) brasileiro poderia contribuir
para diminuir a suscetibilidade da floresta amazônica ao fogo gerada pela exploração madeireira descontrolada. Caso as
Flonas previstas no plano admitissem
atividade madeireira com práticas sustentáveis e sob a vigilância do Estado, o
dano e a consequente inflamabilidade da
mata seriam contidos, argumentavam.
Suscetibilidade ao fogo, por outro lado,
é uma área de especialidade do Ipam e,
em particular, de Daniel Nepstad -que,
apesar de americano, tem filhos brasileiros e fala português com sotaque de caboclo paraense. Ele é um dos signatários
da carta de março na "Science", que ataca a idéia do Imazon e a qualifica de "otimista" (para não dizer ingênua). Argumento: o governo brasileiro estaria despreparado para assegurar que a exploração comercial de madeira nas Flonas se
desse de forma compatível com a saúde
da floresta. "De fato, as concessões podem ter consideráveis efeitos colaterais
indesejados e negativos, muitos dos
quais até agora escaparam de uma discussão séria", escreveram.
Veríssimo e Mark Cochrane (um ex-colaborador de Nepstad) respondem no
ato, quer dizer, na mesma página 1.843
da "Science" de 21 de março. Ponderam
que o Brasil aprendeu com os erros de
outros países nas concessões madeireiras e que o plano para as Flonas está sendo debatido de forma transparente e democrática no país. Mais que isso, a insegurança fundiária -só 24% das terras
amazônicas são cobertas por títulos privados- inviabilizaria a disseminação de
práticas sustentáveis fora de áreas protegidas como as Flonas.
Os argumentos estão na mesa, ainda
que em inglês. Cabe aos brasileiros dizer,
em bom português, se planejam tornar o
debate merecedor, de fato, dos qualificativos "democrático" e "transparente". Isso não depende apenas dos esforços heróicos de ONGs como Imazon e Ipam.
E-mail: cienciaemdia@uol.com.br
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