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Animal gigante fez fruta sul-americana evoluir de tamanho
Para que tivessem suas sementes espalhadas pelos bichos, plantas tinham de se adaptar ao porte dos mamíferos locais
Megafauna que vivia no continente há 15 mil anos já está extinta, mas vegetais têm conseguido sobreviver mesmo sem a "parceria"
IGOR ZOLNERKEVIC
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Algumas plantas brasileiras
exageram na dose. Dão frutos
enormes, em quantidades
enormes, que poucos animais
dão conta de consumir. Quem
agüenta um cupuaçu sozinho?
Para explicar esse "desperdício", dois ecólogos brasileiros e
um espanhol evocaram a megafauna -mamíferos gigantes
que vagavam pela América do
Sul antes de sua extinção em
massa, há 12 mil anos.
"A América do Sul tinha uma
diversidade de mamíferos
maior do que a da África atual",
diz Paulo Guimarães Jr., da
Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), um dos autores do trabalho. Segundo ele,
fósseis daqueles animais indicam que eles comiam frutos. A
preguiça-gigante, por exemplo,
devia comer mais de uma centena de quilogramas deles por
dia, produzindo montes de estrume, cheio de sementes não
digeridas que o animal espalhava por uma grande área.
A idéia só está ganhando corpo agora, mas foi proposta há
mais de vinte anos. Surgiu em
1982, quando o ecólogo Daniel
Jazen e o paleontólogo Paul
Martin perceberam que os
principais dispersores de certas sementes na Costa Rica são
o gado e o cavalo. Embora esses
animais estejam no continente
há apenas 500 anos, frutas nativas, muito mais antigas, parecem ter sido feitas especialmente para eles. Surgiu, então,
a idéia de que as plantas, na verdade, se adaptaram há milhões
de anos à megafauna.
Para testar a idéia, Guimarães se juntou a Mauro Galetti,
da Unesp (Universidade Estadual Paulista) e Pedro Jordano,
da Estação Biológica de Doñana, de Sevilha (Espanha), para
analisar frutas da África consumidas por elefantes. (A megafauna africana vive até hoje.)
A partir daí, definiram os
dois tipos básicos de frutos que
interagem com a megafauna: o
estilo "abacate", médio e contendo até três sementes grandes, e o estilo "mamão", grande,
mas contendo centenas de sementes menores.
Em uma lista de 1.361 espécies da flora brasileira, encontraram 103 frutos que se encaixam nas duas definições.
Dispersor solitário
"Apenas certas espécies de
anta são capazes de engolir alguns desses frutos ", explica
Guimarães. "É raro a dispersão
depender de um único animal.
Em geral, um fruto tem vários
dispersores, e um dispersor
consome várias frutas."
Os ecólogos compararam comunidades de plantas de dois
locais no Brasil. Descobriram
que o Pantanal possui mais que
o dobro de espécies de fruta de
"megaflora" que a mata atlântica. As plantas do Pantanal lembram aquelas de locais na África ricos em grandes mamíferos.
Os grandes frutos sobreviveram ao hiato de 10 mil anos sem
os grandes mamíferos, dispersando sementes por meios menos eficazes: consumo ocasional por animais, estocagem por
roedores e enchentes sazonais.
Índios pré-históricos também
ajudaram a manter as espécies.
Segundo o trio de ecólogos,
essa "gambiarra" ecológica deixou marcas. Talvez por isso algumas plantas tenham ficado
limitadas a certas áreas e com
menor variedade genética.
Hoje, mais de 90% das árvores no Brasil dependem de aves
e mamíferos para dispersar sementes. Se esses bichos sumirem como os da megafauna, os
ecossistemas podem mudar de
maneira parecida.
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