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Micro/Macro
Psicologia e evolução
Marcelo Gleiser
especial para a Folha
A psicologia anda em guerra. Não a
mais tradicional, baseada em Freud,
Jung ou Lacan, mas a psicologia evolucionista, que tenta aplicar idéias da teoria
da evolução de Darwin (e adaptações
posteriores) para explicar certas facetas
do comportamento humano e mesmo
do desenvolvimento do cérebro. Os revolucionários, aqui, são os psicólogos
que questionam o conceito básico da psicologia evolucionista, o de que muitos
comportamentos observados em grupos
e em indivíduos podem ser entendidos
como resultado de uma guerra permanente entre os genes, que tentam preservar a sua existência a todo custo.
Por exemplo, alguns psicólogos evolucionistas afirmam que as fêmeas tendem
a procurar relações monogâmicas com
os machos mais poderosos do grupo de
modo a proteger a sua prole. Segundo
eles, esse comportamento não é simplesmente consequência de um instinto materno, o amor puro e descompromissado
da mãe. Na verdade, a atitude das fêmeas
não é particularmente devota à sua prole,
mas aos próprios genes, que estão preservados nela. Portanto, em última instância, quem está determinando o comportamento das fêmeas não é o amor
materno, e sim o DNA, cuja missão principal é se preservar a qualquer custo. É
ele quem manda. Não é a toa que Richard Dawkins, um biólogo de renome
que escreve livros de divulgação científica sobre a teoria da evolução, deu o título
de "O Gene Egoísta" a um de seus livros.
Os críticos dizem que os psicólogos
evolucionistas estão levando o poder dos
genes muito ao extremo. Segundo eles,
vários fatores culturais e, de modo geral,
exógenos também afetam o comportamento dos indivíduos. O interessante é
que isso pode ocorrer na esfera genética.
Pequenas modificações nos genes que
controlam o desenvolvimento embrionário podem levar a profundas mudanças em uma espécie ou a diferenciações
entre espécies. Essas modificações podem decorrer da interação entre genes,
células, organismos e habitat.
A idéia é que muitas das combinações
genéticas que determinam comportamentos permanecem em estado de hibernação, ou seja, elas não são estimuladas durante o desenvolvimento do indivíduo. No entanto, mudanças no ambiente cultural ou natural em que fetos
ou bebês se desenvolvem podem despertar algumas combinações genéticas desse estado de hibernação. Por sua vez, essas novas combinações podem influenciar o comportamento do indivíduo, segundo afirma o psicólogo americano
Gilbert Gottlieb, da Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill.
Já se sabia que fatores exógenos afetavam o comportamento das pessoas. A
novidade é que muitos desses comportamentos existem em uma espécie de adega genética: tal como vinhos, selecionados de acordo com a ocasião, os genes
que ditam esse ou aquele comportamento são estimulados seletivamente, de
acordo com fatores exógenos.
Em uma experiência, camundongos
separados de suas mães diariamente por
alguns minutos demonstram, quando
adultos, uma maior curiosidade na exploração de ambientes novos e, também,
maior capacidade no aprendizado de
novas tarefas. A explicação oferecida é
que esses camundongos recebem mais
atenção de suas mães quando retornam
aos seus cuidados. Com isso, eles desenvolvem certos aparatos fisiológicos para
controlar o estresse, como, por exemplo,
aquele gerado durante a exploração de
novos ambientes. Ou seja, o maior carinho das mães cria não só mais confiança
nos camundongos como, também, uma
maior capacidade intelectual. Isso pode
parecer óbvio, mas não é. Nem sempre o
filho predileto é aquele de maior capacidade intelectual na família. Parece-me
que a inveja também pode ser usada como uma motivadora intelectual.
O problema maior aqui, como mostra
o exemplo dos camundongos, é a falta de
testes conclusivos. O mesmo experimento pode ser interpretado de modos diferentes, contribuindo para a confusão. Os
genes podem ser egoístas, mas não são os
únicos responsáveis pela complexidade
do comportamento humano.
Marcelo Gleiser é professor de física teórica do
Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do
livro "O Fim da Terra e do Céu"
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