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+ Marcelo Leite
Pilha fraca trabalha melhor
Redução na eficiência da mitocôndria prolonga a vida
Não é de hoje que se conhecem
os efeitos benéficos da restrição calórica -basicamente,
comer pouco- sobre a saúde e a longevidade. O problema é que as pessoas
querem comer mais, e não menos. Para cinco pesquisadoras da USP (Universidade de São Paulo), a saída talvez
seja enfraquecer as pilhas do organismo para fazê-las trabalhar melhor.
Parece paradoxal, e é. A médica Alicia Kowaltowski e suas colegas do Instituto de Química centraram fogo nas
mitocôndrias, organelas que fornecem energia para as células. Encontraram um modo de diminuir sua eficiência em camundongos, o que prolongou a vida dos roedores em cerca
de 7%. De quebra, baixou seus níveis
de glicose, triglicérides e insulina.
Kowaltowski explica que as mitocôndrias colecionam elétrons dos alimentos (carboidratos, proteínas e lipídios) e os transportam para o oxigênio, gerando água. É o chamado processo de respiração celular, que libera
energia para organismo.
O transporte de elétrons deixa o lado de dentro da mitocôndria negativo,
e o de fora, positivo. Essa diferença é
usada como fonte de energia para gerar ATP, a principal molécula usada
pelas células como fonte de energia.
A mitocôndria funciona como uma
verdadeira bateria: fornece energia
que vem da diferença de carga entre
seu pólo negativo interno e o pólo positivo externo.
O quinteto de cientistas decidiu mimetizar a restrição calórica com a ajuda do 2,4-dinitrofenol (DNP, para
simplificar), um "desacoplador" de
mitocôndrias. Ele promove uma diminuição na diferença de carga, transportando prótons (que têm carga positiva, ao contrário do elétron) para
dentro da mitocôndria. É como se fosse um "curto-circuito" na bateria intracelular, resume Kowaltowski.
Com menos energia utilizável para
a mesma quantidade de alimento ingerida, as mitocôndrias têm de trabalhar mais para fornecer a mesma
quantidade de ATP. Com a intensificação da respiração celular, sobram
menos radicais oxidantes para danificar os tecidos. Essa seria a origem dos
efeitos benéficos do DNP sobre a saúde e a longevidade dos camundongos.
O grupo da USP apresentou esses
resultados em artigo publicado online
no periódico especializado "Aging
Cell" (www.blackwell-synergy.com/loi/ACE). Também patenteou o
uso do DNP na prevenção de problemas do envelhecimento, como o diabetes tipo 2. Diferentemente do resveratrol, composto presente no vinho
tinto que também aumenta a longevidade, o DNP funciona inclusive com
dietas pobres em gordura.
Curioso é que se trata de uma substância bem conhecida -na realidade,
como uma espécie de veneno. O DNP
chegou a ser usado, sete décadas atrás,
em pílulas para emagrecimento, mas a
sua alta toxicidade combinada com a
pressa de emagrecer levou à morte de
alguns pacientes e ao banimento de
seu uso clínico.
Kowaltowski e colaboradores seguiram o princípio de que os venenos se
definem pela dosagem. Aplicaram nos
roedores doses entre um décimo e um
centésimo das pílulas consideradas
perigosas. Mas não alimentam a ilusão
de vir a usar o próprio DNP numa futura droga antienvelhecimento.
"O que nossos estudos indicam é
uma nova estratégia para controlar
envelhecimento e doenças associadas:
o desacoplamento mitocondrial", conclui Kowaltowski.
Seu plano é desenvolver e testar novos desacopladores, modificando o dinitrofenol para criar drogas eficazes
em doses não-tóxicas.
Quem viver verá -e viverá mais.
MARCELO LEITE é autor de "Promessas do Genoma" (Editora da Unesp, 2007) e de "Brasil, Paisagens Naturais -
Espaço, Sociedade e Biodiversidade nos Grandes Biomas
Brasileiros" (Editora Ática, 2007).
Blog: Ciência em Dia( cienciaemdia.folha.blog.uol.com.br ).
E-mail: cienciaemdia.folha@uol.com.br
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