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Micro/Macro
A última Micro/Macro
Marcelo Gleiser
especial para a Folha
Esta é a micro/macro de número 359. E é
também a última. Desde 28 de setembro de 1997, todos os domingos, sem exceção, tive o privilégio de compartilhar com
meus leitores um pouco do que se faz em
ciência hoje pelo mundo, de sua repercussão moral e social, do que significa ser um
cientista. Tentei apresentar a ciência com
uma cara diferente; não o monstro de sete
cabeças que afugenta a tantos na escola,
mas como uma busca por significado, por
respostas a perguntas tão antigas quanto a
humanidade, nossas origens, nosso destino. Perguntas que definem quem somos.
Vivemos em um Universo austero, de
proporções gigantescas. A luz, viajando a
300 mil quilômetros por segundo, demora
4,3 anos para chegar até Proxima Centauri,
a estrela mais próxima do Sol. Um ônibus
espacial, viajando a 10 quilômetros por segundo, demoraria 140 mil anos. Até onde
sabemos, estamos sozinhos, ao menos em
nossa vizinhança galáctica. Relatos de Ovnis à parte, não há indicação concreta de
que exista vida em outro planeta do Sistema Solar ou em uma de suas tantas luas. Se
formas de vida existiram ou existem ainda,
elas não são inteligentes. Mesmo assim,
quando contemplo a imensidão do espaço,
aposto na existência de outras formas de
vida no cosmo. Afinal, o Sol é apenas uma
entre centenas de bilhões de estrelas.
Durante a última década, mais de cem
planetas extra-solares foram descobertos
girando em torno de estrelas vizinhas. É
bem verdade que eles não têm muito a ver
com a Terra, sendo mais parecidos com Júpiter. Mas isso pode ser conseqüência do
método usado para achá-los, que funciona
melhor quando eles são muito maiores do
que a Terra. De qualquer forma, a descoberta mostra que planetas não são uma raridade; nosso Sistema Solar é um entre bilhões. E isso apenas em nossa galáxia. Imagine quando somarmos as outras centenas
de bilhões que existem no Universo!
Quando vemos a variedade impressionante das formas de vida na Terra, a adaptabilidade de certas espécies a condições de
extrema temperatura, sem oxigênio, sem
luz, fica fácil imaginar que a criatividade da
natureza não se limita ao nosso pequeno
planeta. Mas é importante diferenciarmos
entre vida e vida inteligente. É comum
acreditar que, com tempo suficiente, a vida
irá sempre evoluir até espécies inteligentes.
Este é o caso do único exemplo que conhecemos, o nosso. Mas, quando estudamos a história da vida na Terra, vemos que
a evolução das espécies se dá juntamente
com a evolução do planeta; a explosão de
vida que existe hoje aqui é consequência de
inúmeros acidentes cósmicos e locais. Por
exemplo, a extinção dos dinossauros se deveu à colisão de um asteróide há 65 milhões de anos. Se isso não houvesse ocorrido, é possível que a Terra fosse ainda dominada por eles, e que os mamíferos permanecessem irrelevantes. Cada planeta
tem a sua história. Suas formas de vida, se
existirem, seguem caminhos evolutivos diferentes. Jamais nossa história será repetida em outro lugar. Muito provavelmente,
somos os únicos humanos no Universo.
Essa revelação me deixa dividido. Por um
lado, vejo a espécie humana como uma
obra-prima da evolução, uma jóia biológica construída a partir de cadeias incrivelmente complexas de macromoléculas orgânicas. Por outro, me envergonho em ver
o que andamos fazendo com o mundo e
com nós mesmos. Moralmente, continuamos na Idade da Pedra, prisioneiros da
dualidade bem-mal, escondendo-nos em
grupos que se acham no direito de julgar
outros grupos e de usá-los ou destruí-los.
Se de fato estamos sozinhos na imensidão
cósmica, temos o dever de nos preservar e
de espalhar vida inteligente pela galáxia.
A ciência redefiniu o mundo em que vivemos. Hoje, exploramos o átomo e as galáxias, curamos doenças que antes matavam aos milhares, usamos tecnologias que
há cem anos seriam inimagináveis. Em
cem anos, a ciência haverá redefinido o
mundo mais uma vez. Resta ainda redefinirmos o espírito humano, que continua
escravizado pelos mesmos medos que nos
tornam inimigos de nós mesmos.
Marcelo Gleiser é professor de física teórica do Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro
"O Fim da Terra e do Céu"
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