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Ciência em Dia
Nomes aos bois e aos embriões
Marcelo Leite
colunista da Folha
Se há muitos cientistas que merecem
respeito no Brasil, um dos mais destacados é a geneticista Mayana Zatz, da USP.
Quanto mais não seja, por suas incansáveis
pesquisa e militância em prol de portadores da distrofia muscular de Duchenne,
doença genética que rói os músculos de
meninos a partir dos três anos. Discordar
de Zatz, assim, deve ser entendido como
reverência intelectual, e não como tentativa de enfraquecer sua luta.
O busílis, no caso, está nas palavras. Em
carta sobre a polêmica da clonagem publicada há quatro dias na Folha, a pesquisadora defendeu que se deixe de chamar de
clonagem de embriões a produção, em laboratório, de tecidos humanos por meio
da técnica de transferência de núcleo de
uma célula já diferenciada para um óvulo
sem núcleo, que sob condições apropriadas começa a se dividir. Para Zatz, os jornais deveriam se referir a isso como um
simples avanço técnico na cultura de tecidos e nos transplantes de órgãos, pois
aquelas células em divisão nunca seriam
implantadas num útero e, portanto, nunca
se tornariam embriões.
É uma posição respeitável, mas não necessariamente mais lógica, como ela afirmou. Apesar do pragmatismo discursivo
em que a maioria das pessoas acredita, no
longo prazo ainda vence a parada quem
desde o princípio enfrentar as dificuldades
de frente e chamar as coisas pelo nome
com que são reconhecidas, mesmo que isso complique a vida de quem tem as melhores intenções. Assim como já defendi
aqui que não faz sentido chamar de "pessoa humana" uma bolinha de cem células,
tampouco é o caso de tratar como absurda
sua designação como "embrião".
O critério da implantação no útero, defendido por Zatz, é problemático. Se a
mesma bolinha pode ser implantada num
útero e originar um organismo completo,
como aliás aconteceu com a ovelha Dolly,
por que chamá-la de embrião só depois
que estiver lá? O importante a reconhecer
aqui, pelos dois lados engalfinhados na polêmica, é que nenhum deles será capaz de
resolver a querela com argumentos de autoridade pura, seja ela científica ou bíblica.
Quem acreditar que exista solução "a priori" para a questão está a meio passo de impedir seu desenlace, pois ele terá de ser negociado, fruto de um compromisso político -no bom sentido.
A facção que Zatz representa tem tudo
para vencer o debate, pois conta com a esperança de seu lado, por isso não deveria
levar a sério a metáfora da cruzada contra o
obscurantismo. Sempre que possível, deve
esclarecer que as promessas das células
embrionárias ainda são pouco mais que isso, promessas. Ou, quando falar dos avanços no Reino Unido, pode também mencionar as restrições na Alemanha.
Eis o que Heidemarie Neitzel, do Conselho Nacional de Ética daquele país europeu, tem a dizer sobre esse ramo da biotecnologia: "Eu não me oponho por princípio
à pesquisa com clones embrionários humanos", afirmou à revista "The Scientist".
"Mas ainda não existe evidência de que tal
pesquisa vá levar a grandes avanços no tratamento de doenças como Alzheimer. Penso que cabe aos cientistas mostrar que (...)
de fato vai funcionar, antes de pedir permissão para prosseguir com ela."
E-mail: cienciaemdia@uol.com.br
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