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O físico João Magueijo assume o papel de jovem revoltado da física e questiona pilares da Teoria da Relatividade de Einstein
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MAGUEIJO X EINSTEIN
Divulgação/Perseus Books - Arquivo/Associated Press-1955
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O físico português João Magueijo, pesquisador do Imperial College, do Reino Unido - O físico Albert Einstein, autor da Teoria da Relatividade |
Michael Brooks
da "New Scientist"
Quando o físico João Magueijo sugeriu que se
acabasse com o postulado básico da relatividade -o de que a velocidade da luz é constante e insuperável-, colocou sua carreira em
risco. Magueijo sobreviveu, mas, em seu livro, vai ainda
mais longe. Além disso, revela o pouco caso com que vê
as bases da ciência moderna. Ele acha, por exemplo, que
a revisão por pares é em grande medida inútil.
João Magueijo faz parte do Grupo de Física Teórica do
Imperial College, em Londres. Ele encontra inspiração
para suas idéias incomuns em lugares incomuns: na
praia, no encrave hippie de Goa, com dançarinos em
êxtase saudando o Sol, caminhando debaixo de chuva
em Cambridge ou conversando a noite inteira num bar
em Notting Hill. Sua meta principal: levar suas idéias ao
tribunal da experimentação no menor prazo possível.
O que fez você virar rebelde?
Talvez tenha sido o fato de eu ter crescido em Portugal no período pós-revolucionário. O que aconteceu
depois da revolução de 1974 em Portugal foi a anarquia. Sei que foi rotulado de comunismo, mas foi
anarquia total.
E isso moldou a maneira como você aborda a ciência?
Acho que sim. Fui expulso do colégio e do catecismo,
tive problemas no exército, me meti em confusão em
todo lugar. Depois fiz parte de um grupo trotskista.
... e decidiu derrubar Einstein?
Sinto enorme respeito por Einstein. Ele é meu herói.
Quando eu tinha 11 anos, meu pai me deu um livro
fascinante escrito por Albert Einstein e Leopold Infeld. Infeld era um cientista polonês que trabalhou
com Einstein em vários problemas importantes nos
anos 1930. Einstein começou a atuar como seu mentor. Quando ficou claro que os alemães iam invadir a
Polônia, naturalmente Einstein tomou a si a responsabilidade de tentar salvar seu amigo. Mas, no final
dos anos 1930, ele já tinha ajudado tantas famílias judias a imigrar que suas garantias pessoais acerca dessas pessoas tinham perdido o valor perante as autoridades americanas, que ignoraram seus pedidos
por Infeld. Einstein tentou encontrar para Infeld
uma cadeira de professor numa universidade americana, mas também essa tentativa fracassou. As perspectivas de Infeld eram muito sombrias.
Desesperado, Einstein teve a idéia de escrever um livro de ciência popular a quatro mãos com Infeld. Foi
"The Evolution of Physics" (A Evolução da Física)
-o livro que, muitos anos depois, por sua beleza
singular, me levaria a querer estudar física-, escrito
às pressas, em apenas dois ou três meses. O livro virou sensação enorme e levou Infeld a tornar-se repentinamente desejável aos olhos das autoridades
americanas. Não fosse o sucesso alcançado por esse
livro, é muito provável que Infeld tivesse se esvaído
em fumaça em algum inferno nazista.
Quer dizer então que você sente respeito imenso pelos
trabalhos de início de carreira de Einstein, mas nem tanto por seu trabalho posterior?
É isso mesmo. A visão dele de que a beleza matemática é importante é responsável por toda a baboseira
sobre teorias "elegantes" na teoria de cordas. Einstein não era assim quando era jovem. De qualquer
maneira, a teoria de cordas é uma das coisas menos
elegantes do mundo. Esses teóricos simplesmente
apostam num enorme complexo de inferioridade,
dizendo que foi abençoado por Deus ou algo assim.
Não dou a mínima para a elegância. Você começa
com uma motivação experimental, faz alguma coisa
interessante e então traça uma previsão que pode ser
testada. Isso é ótimo. Essa coisa de elegância é auto-indulgência, nada mais.
Para fazer algo de significativo em ciência é preciso seguir seus instintos básicos. É nisso que você acredita?
Pegar o bonde andando é quando alguém importante diz que você deve fazer alguma coisa, e todo o
mundo, velho ou jovem, pula em cima do bonde.
Mas, sim, se você quiser fazer algo de novo, precisa
ter a coragem de dar um salto.
Pular para fora do bonde é arriscado. Se você sugerir algo
tão radical quanto uma velocidade de luz variável, não
poderia ser o suicídio de sua carreira?
É verdade. Talvez eu não tivesse agido com tanta
tranquilidade se não contasse com esta bolsa de estudos da Royal Society, que me proporciona uma rede de segurança por dez anos. Durante esse prazo,
posso ir a qualquer lugar e fazer o que eu quiser, desde que seja produtivo.
Quer dizer que você tem liberdade para ser o "jovem revoltado" da física?
Talvez a impressão que se tenha é que sou amargo e
ressentido, mas, se você está lendo um livro, a linguagem corporal se perde. Você está falando comigo
cara a cara e pode ver que, na realidade, estou brincando com tudo isso. Não sou um jovem revoltado,
estou apenas sendo franco. Não há ressentimentos.
Posso dizer coisas ofensivas, mas faço tudo sem a intenção de ofender.
Então por que a velocidade da luz deve variar?
A questão real é: "Por que a velocidade da luz deve
ser constante?" A constância da velocidade da luz é a
premissa básica da relatividade, mas temos muitos
problemas na física teórica, e esses provavelmente
resultam da premissa de que a relatividade funcione
o tempo todo.
A relatividade deve entrar colapso em algum momento -no princípio do Universo, por exemplo.
Como você chegou a essa idéia?
Quando eu atravessava os gramados do St. John's
College em Cambridge, numa manhã chuvosa, me
veio à cabeça a idéia de que, se estamos confusos por
causa da relatividade, uma velocidade da luz que fosse variável talvez seja a resposta. Valia a pena tentar.
Isso foi três anos atrás. Sua teoria já chegou ao ponto de
ser aceita?
Depende de o que você quer dizer com "aceita". Um
periódico me encomendou um grande artigo sobre
o assunto. E já nos tornamos respeitáveis, pelo menos na medida em que um grande número de pessoas já está trabalhando sobre a teoria.
Deve ser levada a sério a idéia de que a velocidade da luz
é variável?
Ainda não sabemos. Ainda não é certo. A velocidade
da luz variável [VLV] começou com apenas uma
idéia, e ela não tinha alcance especialmente longo.
Era a solução de um problema cosmológico -grande coisa! Mas é fascinante o fato de que a teoria vem
se desdobrando em direção à gravidade quântica.
Estou muito entusiasmado, mas a teoria pode acabar se mostrando certa ou pode mostrar que está errada. Em última análise, está nas mãos da natureza.
Então você não ficará arrasado se for constatado que a
teoria da VLV está errada?
A idéia inicial nunca é a forma final da idéia -ainda
é uma obra em andamento. Havia um grande furo
na teoria: a VLV não funcionava como teoria capaz
de descrever as variações na radiação cósmica de
fundo em microondas. Nos últimos meses, porém,
superamos esse problema. Mas não tenho problema
algum em ir trabalhar com outra coisa. A VLV não é
uma religião, não é um partido político.
Como a teoria das cordas, você quer dizer? Em seu livro,
você tratou os teóricos das cordas com grosseria.
Não tratei, não!
Mas você se refere às cordas no universo deles como o
"púbis cósmico". Você sugere que haveria ali algo representativo de "masturbação".
Acho que se atribui importância demais à teoria das
cordas. É possível que a resposta final tenha algo a
ver com ela, mas, a julgar pelo que seus proponentes
realizaram até agora, não é essa a impressão que se
tem. Ela é tão distante de qualquer coisa que possa
ser testada que não pode ser descrita como uma teoria científica. Algumas idéias muito boas saíram dela, mas, na realidade, elas são aviõezinhos de aeromodelismo -são idéias bonitas, não teorias físicas.
Eu não teria dito nada se eles só ficassem brincando
com seu joguinho. Mas eles enfeitam a idéia toda, como se ela fosse a resposta final para tudo.
Já que estamos falando em grosseria, por que você é tão
mordaz quando fala de periódicos acadêmicos?
Acho que eles não têm futuro. São uma perda de
tempo. Não leio um periódico desses há anos. O futuro está na internet. Os arquivos da internet não fazem uma filtragem para excluir as coisas boas, e as
coisas que não prestam também estão lá, assim como estão nos periódicos. No futuro, as pessoas publicarão seus artigos apenas em arquivos da internet.
Isso certamente mudaria a maneira como avaliamos a
ciência. Como ficaria a revisão feita por pares?
A revisão de pares não quer dizer nada. O sistema
vem se desintegrando há anos. Ele equivale a relatórios de árbitros ["referees]". Ou eles conhecem você
e gostam de você, ou o conhecem e não gostam de
você. Se não o conhecem, então depende da instituição onde você está. O sistema se tornou corrupto
nesse aspecto. Hoje em dia, eu frequentemente me
recuso a ser árbitro. Às vezes me mandam três ou
quatro artigos por semana para julgar. Não há como
fazer um trabalho decente. Eu não deveria dizê-lo,
mas, já que os trabalhos deveriam estar nos arquivos
de qualquer maneira, às vezes eu simplesmente aceito tudo. Não vejo por que rejeitar um artigo, a não
ser que ele seja cientificamente muito ruim.
Como podemos saber o que é cientificamente bom e o
que não é?
Para o cientista, é óbvio. Você lê um resumo e sabe
imediatamente o que está acontecendo, se o trabalho
vale a pena ser lido ou não. Não é preciso nenhum
árbitro para lhe dizer isso. Na maioria dos casos, os
árbitros são pessoas realmente conservadoras, que
rejeitam tudo. Entretanto, em alguns relatórios positivos que vi, fica claro que o árbitro não leu o artigo.
Na realidade, prefiro as rejeições. Pelo menos assim
eu sei que leram meu artigo.
Mas como outros setores -por exemplo as agências que
buscam verbas para a ciência- podem discernir o que é
ciência válida?
É mais complicado. Elas poderiam perguntar para
alguém bem-informado. Mas acho que, se o dinheiro fosse enviado diretamente aos cientistas, sem passar pelas agências de financiamento, haveria menos
desperdício, de qualquer maneira. A gente poderia
decidir na cara ou coroa, em lugar de ter comitês intermináveis decidindo quem recebe o quê.
Sim, seu livro deixa claro que você não é fã da burocracia
da ciência. Você diz que os administradores do Imperial
College exploram seus cientistas. Será que você ainda terá emprego depois que o livro for publicado?
De acordo com os advogados da editora britânica do
livro, sim. Mas eu disse o que precisava ser dito. Há
multidões de problemas, não apenas no Imperial
College, mas com o mundo acadêmico britânico de
modo geral. As consultorias administrativas mandam na ciência. No Imperial College, com certeza,
houve um aumento muito grande nos níveis administrativos. Não precisaria ser assim: o novo Instituto Perimeter, em Ontário, onde Lee Smolin trabalha,
está tentando algo diferente, com o mínimo possível
de administradores. Não sei se vai funcionar, mas fico feliz por alguém estar tentando.
O que você pretende fazer agora?
Uma das coisas que eu observo no livro "Faster Than
the Speed of Light" é que, após uma certa idade, você
pára de fazer ciência de boa qualidade. Não sei o que
vai acontecer quando eu ficar velho e parar de fazer
ciência de qualidade. Eu não acharia ruim a idéia de
virar escritor. Não quero dizer escritor de ciência popular -eu gostaria de escrever romances, ficção. É
uma maluquice, uma aposta no escuro, mas uma
coisa é certa: não vou virar burocrata da ciência.
Tradução de Clara Allain
Faster Than the Speed of Light
288 págs., US$ 18,20
de João Magueijo. Perseus.
Onde encomendar
Livros em inglês podem ser encomendados, em São Paulo, à livraria
Fnac (tel. 0/ xx/11/ 3097-0022) e, no Rio de Janeiro, à livraria Leonardo da Vinci (tel. 0/xx/ 21/ 533-2237). O livro também deve ser
lançado no Brasil em junho, pela Record.
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