|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Micro/Macro
A primeira luz
Marcelo Gleiser
especial para a Folha
No dia 11 de fevereiro, a agência espacial Nasa anunciou os resultados de
sua sonda WMAP (Wilkinson Microwave Anisotropy Probe, ou Sonda Wilkinson de Medida da Anisotropia em Microondas), que se tornaram um marco
na história da cosmologia moderna.
Seu nome estranho vem do seguinte fato: o Universo se encontra banhado em
radiação de microondas proveniente de
sua infância. Essa radiação, chamada de
radiação de fundo cósmico, prevista pelo
russo George Gamow no final da década
de 1940 e observada pela primeira vez em
meados de 1960, representa um retrato
do cosmo apenas algumas centenas de
milhares de anos após o Big Bang. Se
uma quantidade qualquer medida em
direções (ângulos) diversas apresentar
variações em seu valor, dizemos que ela é
anisotrópica. Por exemplo, um céu com
nuvens esparsas é anisotrópico em relação à presença de nuvens: em algumas
direções estão presentes, em outras, não.
A sonda WMAP mediu diversas propriedades da radiação de microondas
que banha o Universo. Dentre elas, a
mais importante é a sua temperatura. É
possível associarmos uma temperatura a
uma radiação qualquer, seja ela em infravermelho, no visível, em ultravioleta
etc. (A da superfície do Sol, amarela, é de
6.000C; a do cosmo, -270C.) Um dos
resultados mais importantes da WMAP
foi medir as variações de temperatura da
radiação de fundo, ou seja, a sua anisotropia: diferentes regiões do cosmo têm
diferentes temperaturas, que variam em
apenas um milionésimo de grau. Imagine a sofisticação de um instrumento automatizado, a mais de 1 milhão de quilômetros, capaz de mapear variações de
um milionésimo de grau nessa radiação.
O primeiro mapa da anisotropia da radiação de fundo foi obtido pela sonda
Cobe, em 1992. Mas a WMAP amplia
muito sua precisão, fornecendo uma série de detalhes sobre a história do Universo primordial. Para começar, a sua
idade: 13,7 bilhões de anos desde o Big
Bang. A margem de erro nessa medida é
de apenas 200 milhões de anos, ou menos de 2%. Sabemos também quando as
primeiras estrelas apareceram, apenas
200 milhões de anos após o "bang". E
que a radiação medida surgiu quando o
Universo tinha 380 mil anos.
Foi nessa época que elétrons e prótons
se juntaram para formar os primeiros
átomos de hidrogênio, substância mais
abundante no cosmo. Portanto, a radiação é uma fotografia do cosmo quando
os primeiros átomos surgiram. As variações na temperatura se dão devido a diferenças na distribuição de matéria:
quanto mais matéria numa região, mais
energia a radiação tem de gastar para escapar de sua atração gravitacional e sua
cor muda (mais vermelha). O resultado é
um mapa de manchas variando do vermelho ao violeta. Podemos usá-lo para
saber quanta matéria há no Universo.
Segundo a Teoria da Relatividade, não
só a matéria, mas a energia também pode atuar gravitacionalmente. Isso é consequência da equivalência entre matéria
e energia, bastante famosa. Portanto, ao
falarmos da quantidade de matéria no
Universo, devemos também incluir contribuições para a sua energia, como por
exemplo, a própria radiação de microondas, que não é matéria (não tem
massa), mas tem energia.
Eis o balanço total do cosmo: 4% de
matéria comum, feita de átomos, como
nós; 23% de matéria escura, um tipo de
matéria de natureza ainda desconhecida;
e 73% de energia escura, uma forma estranha de energia que atua como um tipo
de antigravidade. (Não se preocupe, esse
efeito só ocorre em escalas cosmológicas,
de centenas de milhões de anos-luz.)
Como disse o astrofísico John Bahcal,
do Instituto de Estudo Avançado em
Princeton, ao comentar os resultados do
WMAP: "Nós temos de aprender a entender esse Universo pouco atrativo,
meio louco e implausível, pois não temos
alternativa". Da matéria que existe, 85%
são de um tipo que não conhecemos, e a
maior parte da energia do Universo é de
uma forma ainda mais bizarra. Medimos
quantidades importantes, respondemos
certas perguntas, e outras ainda mais desafiadoras surgiram em seu lugar. E tudo
isso, ao olharmos para a primeira luz.
Marcelo Gleiser é professor de física teórica do
Dartmouth College, em Hanover (EUA) e autor do
livro "O Fim da Terra e do Céu"
Texto Anterior: + Ciência: MAGUEIJO X EINSTEIN Próximo Texto: Ciência em Dia: Moratória para a nanotecnologia Índice
|