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Ciência em Dia
Moratória para a nanotecnologia
Marcelo Leite
editor de Ciência
Com razão ou sem ela, as pessoas
aprenderam a temer tudo que a tecnociência produz de pequeno ou invisível e que tem potencial para causar dano
a seres humanos e ao ambiente. Foi assim com a fissão nuclear, com a poluição
química e atmosférica, com os organismos geneticamente modificados
(OGMs). Não há motivo para que não seja assim com a nanotecnologia (materiais e dispositivos na escala de um nanômetro, ou milionésimo de milímetro).
Pode parecer prematuro discutir os riscos de uma tecnologia cujos produtos
nem mesmo parecem ter chegado ao
mercado, mas há gente que convém ouvir dizendo que a hora já chegou. A organização não-governamental ETC
(www.etcgroup.org), por exemplo. Ela
lançou na Cúpula de Johannesburgo, em
setembro de 2002, a idéia de uma moratória para pesquisas nanotecnológicas.
Quem achar que se trata de ONG sem
importância ou audiência deveria dar
uma palavrinha com os defensores dos
alimentos transgênicos. Eles poderão
narrar o trauma que lhes foi causado pela
ONG antecessora do ETC, Rafi (sigla em
inglês de Fundação Internacional para o
Avanço Rural). A Rafi moveu campanha
renhida contra os OGMs e marcou um
tento memorável ao cunhar o apelido
"Terminator" (exterminador) para a tecnologia sinistra que impedia a reprodução de sementes de plantas transgênicas.
O ETC lançou em 30 de janeiro um documento de 84 páginas chamado "The
Big Down: Atomtech - Technologies
Converging at the Nano-Scale" (que se
poderia traduzir como "O Imenso Mínimo: Atomotécnica - Tecnologias que
Convergem para a Nanoescala"). Nele se
diz que a nanotecnologia já é uma realidade, inclusive de mercado (estimado
em US$ 45 bilhões anuais, devendo chegar a incrível US$ 1 trilhão em 2015).
Quanto a riscos, há uma pletora deles, a
maioria ainda um tanto teóricos. Por
exemplo, a convergência de nanotecnologia com biotecnologia, informática e
ciência cognitiva, que ensejaria o pesadelo de um controle de comportamentos
que faria do "Admirável Mundo Novo"
de Aldous Huxley um conto de fadas.
Outros riscos aventados são mais eloquentes, como a ameaça de dispositivos
nanoscópicos capazes de produzir cópias de si mesmos, que poderiam um dia
cobrir o planeta e torná-lo inabitável. É o
fantasma da "gray goo" (meleca cinza)
que assombrou Bill Joy num já famoso
artigo para a revista "Wired", em 2000.
Aqueles que não confiam em ONGs
devem então atentar para o que diz Richard Smalley, Nobel de Química de
1996. Num depoimento ao Congresso
dos EUA em 1999, Smalley disse que "o
impacto da nanotecnologia na saúde, na
riqueza e no padrão de vida das pessoas
será no mínimo equivalente às influências combinadas da microeletrônica, do
diagnóstico por imagens, da engenharia
computadorizada e dos polímeros artificiais neste século" (o 20, no caso).
A citação está num artigo publicado segunda-feira passada na revista britânica
"Nanotechnology" (www.iop.org/EJ/S/UNREG/journal/0957-4484), sob o título "Mind the Gap: Science and Ethics in
Nanotechnology" (Cuidado com o Vão:
Ciência e Ética na Nanotecnologia). O
autor principal é Peter A. Singer, bioeticista da Universidade de Toronto (Canadá), que não deve ser confundido com
Peter Singer, também bioeticista, mas da
Universidade de Princeton (EUA).
É mais um alerta de que a discussão das
implicações éticas, ambientais, econômicas, legais e sociais da nanotecnologia
precisa começar. Logo. Antes que a proposta de moratória faça algum sentido.
E-mail: cienciaemdia@uol.com.br
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