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Micro/Macro
A natureza enfurecida
Marcelo Gleiser
especial para a Folha
Nos dias 9 e 10 de maio, o canal de TV
norte-americano NBC mostrou o
filme "10,5", onde uma série de terremotos monstruosos destrói boa parte da
Costa Oeste americana, incluindo desde
as maiores cidades da Califórnia, Los
Angeles e São Francisco, e até Seattle, no
estado de Washington.
O título refere-se à escala Richter, que
mede a intensidade de terremotos. Um
terremoto com 10,5 de intensidade seria
absolutamente devastador. Segundo o
filme, não é uma má idéia comprar terra
no deserto do Arizona: em breve essas
terras terão vista para o mar. O interessante é que "10,5" foi o filme mais visto
nos últimos cinco anos de televisão: teve
quase 21 milhões de telespectadores. Só o
documentário "9-11", sobre os ataques
terroristas em Nova York e Washington,
bateu o recorde. Mas esse foi um desastre
que de fato ocorreu.
Os terremotos gigantescos de "10,5"
são coisa de criança quando comparados
com o que vem por aí. No dia 28, estréia
nos EUA o filme "O Dia Depois de Amanhã" (The Day After Tomorrow), uma
produção de 125 milhões de dólares que
narra a devastação da Terra por um desequilíbrio climático provocado pelo
efeito estufa. Basicamente, o aquecimento global degela grande parte das calotas
polares. Esse degelo injeta uma quantidade enorme de água doce nos oceanos,
causando o resfriamento das águas do
Atlântico Norte e interrompendo o ciclo
de aquecimento e resfriamento que existe entre o sul e o norte do oceano Atlântico. O resultado é um caos total no clima
do planeta: granizo do tamanho de abacaxis em Tóquio, neve em Nova Déli, tornados que destroem Los Angeles (parece
que essa cidade não tem mesmo salvação), um maremoto destruindo Nova
York e por aí afora.
Imagino que, se os produtores prestassem atenção ao Brasil, a metade leste de
seu território também seria submersa
pelas águas. (Ainda não vi o filme, apenas um trailer de dez minutos.) Após o
caos inicial, grande parte da Terra entra
em uma nova Era Glacial, como a que
ocorreu há 10 mil anos. Tudo isso em alguns dias.
O diretor do filme, Roland Emmerich,
que dirigiu "Independence Day", usou
todos os efeitos especiais possíveis para
criar um quadro assustador da fragilidade do homem perante a fúria da natureza. Climatologistas prevêem alguns destes efeitos caso a poluição global causada
por gases industriais continue no nível
atual. Mas o processo é lento, durando
décadas ou até centenas de anos, e não
dias. O que o filme faz é acelerar a devastação que, segundo muitos cientistas, será inevitável.
É justamente a lentidão das conseqüências do efeito estufa que torna difícil
a implementação de controles e políticas
de prevenção. Para complicar as coisas,
as previsões dependem de modelos
complexos e não são perfeitas, sendo
portanto alvo de crítica por grupos de interesse ligados a certas indústrias, como
as produtoras de petróleo e petroquímicas em geral, entre outras.
Mesmo cientistas vêm debatendo a relação entre o aquecimento global e a poluição. Em declaração recente, um grupo
de cem cientistas australianos argumenta que o aquecimento faz com que o planeta fique mais úmido e que essa umidade aumenta a quantidade de plantas.
Plantas diluem os efeitos dos gases causadores do efeito estufa, dando mais
tempo para que políticas de prevenção
sejam implementadas.
O que me parece óbvio é que mesmo o
estudo dos australianos demonstra claramente o impacto da presença humana
no planeta. Visto que a Terra é um sistema finito, com capacidade de absorção
finita, é uma mera questão de tempo até
que as perturbações causadas por humanos comecem a causar sérios desequilíbrios climáticos. Quem cutuca uma colméia sabe que, mais cedo ou mais tarde,
ela cairá no chão.
A famosa teoria do caos nasceu das investigações de Edward Lorenz, um climatologista do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts). Ao analisar as
equações descrevendo o fluxo de calor
na atmosfera, ele descobriu que, devido a
uma propriedade delas chamada não-linearidade, pequenas pertubações podem ter efeitos enormes. Os exageros de
Hollywood são cientificamente implausíveis. Mas eles mostram que, em uma
guerra entre nós e a natureza, os perdedores seremos nós.
Marcelo Gleiser é professor de física teórica do
Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do
livro "O Fim da Terra e do Céu"
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