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Micro/Macro
O 'porquê' e o 'como'
Marcelo Gleiser
especial para a Folha
Volta e meia, leitores me perguntam sobre os limites
da ciência, sobre até onde nós podemos chegar,
munidos que somos de um cérebro finito. Afinal, como
podemos responder a todas as perguntas se mal sabemos formulá-las? E, mesmo se soubéssemos, será que
existe um limite máximo do conhecimento, uma espécie de barreira além da qual a nossa razão não pode penetrar? Será que é justamente a existência dessa barreira
que justifica o nosso apetite por assuntos espirituais,
místicos, que transcendem os limites da razão?
Sem a menor dúvida, nos últimos 400 anos a ciência
progrediu imensamente, revelando mundos absolutamente fantásticos e inesperados: com os microscópios,
vislumbramos um mundo repleto de minúsculos seres
vivos, de células, de estruturas minerais e cristais belíssimos. Em níveis ainda menores, descobrimos o mundo dos átomos e das partículas elementares, os tijolos
fundamentais da matéria. Com os telescópios, vislumbramos mundos distantes, de estrelas e planetas a galáxias e buracos negros, alguns a bilhões de anos-luz de
distância, mais velhos do que a Terra. Seria inútil tentar
fazer justiça às nossas descobertas neste ensaio ou mesmo em outro muito maior. O próprio sucesso da ciência
redefine os seus limites, como um horizonte que se afasta continuamente. Muitos acreditam que, devido a esse
sucesso, um dia teremos todas as respostas. Eu não poderia discordar mais.
O meu avô dizia, sabiamente, que, se usarmos um
chapéu maior do que a nossa cabeça, ele cobrirá os nossos olhos. Acho importante manter isso em mente
quando lidamos com os limites do conhecimento humano. Vamos começar de modo bastante abstrato, falando da quantidade total de informação: supondo que
o Universo seja finito, ele tem uma quantidade finita de
informação. Mesmo se ele não for finito (o que é bem
mais provável), nós só podemos nos comunicar com a
velocidade da luz (até que se prove o contrário), e, portanto, vivemos em uma ilha de informação limitada pela idade do Universo, de 14 bilhões de anos. Como a luz
viaja a uma velocidade fixa no vácuo, no máximo podemos receber informação de um evento que ocorreu há
14 bilhões de anos. O problema é que a complexidade
do Universo é tamanha e os arranjos de matéria, tão variados, que seria impossível poder armazenar conhecimento sobre tudo que existe, vive e ocorre no Universo.
Portanto, só podemos ter informações aproximadas sobre o cosmo, jamais perfeitas e completas.
Os cientistas sabem disso e constroem os seus modelos sobre os fenômenos naturais de forma aproximada,
deixando de lado detalhes irrelevantes. Ou seja, os cientistas usam o mínimo de informação possível em sua
descrição da natureza. Por exemplo, para modelar a órbita da Lua em torno da Terra não são necessários detalhes sobre a geologia dos dois corpos celestes. Bastam as
suas massas e distância entre eles. Mais ainda, a ciência
não se propõe a responder perguntas do tipo "Por quê?"
Por exemplo, por que duas massas sentem uma força
atrativa, que chamamos de gravidade? Não sabemos.
Em 1687, o inglês Isaac Newton obteve uma fórmula
descrevendo como dois corpos se atraem, com uma força proporcional ao produto de suas massas e inversamente proporcional ao quadrado de sua distância. Mas
ele não saberia dizer por que as duas massas se atraem.
Em 1915, Albert Einstein propôs a sua teoria da gravitação, onde essa atração se deve à curvatura do espaço em
torno das massas. Porém, ele também não saberia explicar por que a presença de uma massa encurva a geometria do espaço à sua volta. A ciência explica o "como", não o "porquê".
Voltando à questão da barreira do conhecimento, eu
não acredito que ela exista. Ou, se existe, ela tem uma
fronteira móvel, que vai se alargando com o tempo:
ecoando o grego Sócrates, quanto mais aprendemos sobre o mundo e sobre nós mesmos, mais aprendemos o
quanto não sabemos. A natureza é muito mais esperta
do que nós, com as nossas explicações de como isso ou
aquilo funciona. Afinal, nós também somos produtos
de sua criatividade, o que necessariamente implica que
seremos sempre incapazes de compreendê-la em sua
totalidade. Se existe algo de fascinante aqui é a nossa capacidade de aprender tanto sobre o mundo, dadas as
nossas limitações. Algumas questões, especialmente
aquelas ligadas a origens, desafiam a nossa imaginação:
será que algum dia iremos entender como surgiu o Universo, a vida e a mente? Acredito que sim, mas não antes
de surgirem outras questões "impossíveis".
Marcelo Gleiser é professor de física teórica do Dartmouth College,
em Hanover (EUA), e autor do livro "O Fim da Terra e do Céu".
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