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Acordo para uso de Alcântara pelos EUA é polêmico
MAURICIO TUFFANI
ESPECIAL PARA A FOLHA
O programa do VLS nunca foi
visto com bons olhos pelo governo dos Estados Unidos, que tem
alegado a possibilidade de uso militar do foguete. Esse receio é
agravado pelo fato de o Brasil ter
fornecido mísseis ao Iraque.
Nos anos 80, os países-membros do clube espacial se recusaram a repassar tecnologia para o
programa brasileiro. Foram dificultadas as importações de diversos equipamentos, como a do supercomputador que hoje é usado
para previsão do tempo e estudos
climáticos no Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), em
Cachoeira Paulista (SP).
Apesar de todas essas restrições,
os americanos têm interesse em
usar a base de Alcântara para lançar satélites. Por ser próxima da linha do Equador, ela permite lançamentos espaciais com grande
economia de combustível.
Se tudo corresse como inicialmente previsto no acordo, o primeiro lançamento viria em 2005.
Mas o "acordo de salvaguardas"
assinado entre Brasil e Estados
Unidos para uso da base ainda
não foi ratificado pelo Congresso
e enfrenta forte resistência. Algumas de suas cláusulas são consideradas lesivas à soberania.
Situado no Maranhão a apenas
2,3 graus ao sul do Equador, o
CLA (Centro de Lançamentos de
Alcântara) é a base de melhor localização no mundo. Ela supera
até mesmo o centro de lançamento de Kourou, na Guiana Francesa, a 5,6 graus ao norte do Equador, onde é feita a maior parte dos
lançamentos de satélites da ESA
(Agência Espacial Européia).
A Ucrânia também tem interesse no uso do CLA. Uma delegação
ucraniana está em Brasília desde
segunda-feira passada para negociar o acordo.
Os ucranianos pretendem utilizar o foguete Cyclone-4, do mesmo nível do Ariane-4 francês e do
Delta-2 americano.
O lançador ucraniano consegue
pôr até três toneladas em órbita
geoestacionária (em que o satélite
acompanha a rotação da Terra, ficando sempre sobre o mesmo
ponto na superfície terrestre), onde ficam os principais satélites de
telecomunicações.
Cláusulas críticas
O acordo com os EUA prevê
que o Brasil não poderá aplicar no
seu próprio programa espacial os
recursos obtidos com o uso do
CLA aos norte-americanos. A
verba, prevista em US$ 5 milhões
por lançamento, só poderá ser
usada no desenvolvimento e manutenção de portos, aeroportos,
linhas férreas, sistemas de comunicação relacionados com a base.
Segundo uma análise da Liderança do PT na Câmara dos Deputados, com essa cláusula os
norte-americanos seriam "duplamente beneficiados", pois não só
dificultariam o desenvolvimento
do programa espacial brasileiro,
que é um possível concorrente no
mercado de lançamento de satélites, assim como aproveitariam de
todas as melhorias da infra-estrutura da base
Outra cláusula que provoca pesadas críticas ao acordo estabelece que o centro de lançamentos
terá áreas sob controle direto e exclusivo dos norte-americanos e
prevê que o governo dos EUA poderá realizar inspeções sem prévio aviso ao Brasil não só nas
áreas restritas, mas também nas
demais instalações da base.
Trâmite no Congresso
Assinado em abril de 2000, o
acordo foi rejeitado em agosto de
2001 pelo então deputado Waldir
Pires (PT-BA), hoje corregedor-geral da União, em seu parecer
para a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara. "O acordo é uma violência
à soberania nacional, é profundamente inconveniente aos interesses do povo brasileiro", disse Pires.
Apesar do parecer desfavorável
do relator, o acordo foi aprovado
três meses depois pela comissão.
No ano seguinte, em abril, a proposta teve nova aprovação, dessa
vez pela Comissão de Ciência e
Tecnologia. Desse modo, ficou
faltando na Câmara dos Deputados a apreciação pela Comissão
de Constituição e Justiça.
Em fevereiro desta ano, já na
gestão do presidente Luiz Inácio
Lula da Silva, o ministro da Defesa, José Viegas Filho, anunciou a
intenção de negociar com os
membros da Comissão de Defesa
da Câmara uma revisão do acordo com os EUA. Em março, o ministro Celso Amorim, das Relações Exteriores, disse que havia
um "consenso" para renegociar
algumas cláusulas do acordo.
Entre as cláusulas que poderiam
ser renegociadas, Amorim citou o
artigo que proíbe o Brasil de fazer
acordos do mesmo tipo com outros países. Segundo ele, esse tipo
de exigência é política e não tem
nada a ver com a proteção de tecnologias.
Apesar de ainda não haver uma
decisão de governo, existe, no entanto, um consenso entre os ministros das Relações Exteriores e
da Ciência e Tecnologia, Roberto
Amaral, de que é preciso mudar
as regras para o uso da base.
Restrições pendentes
Em 2001, o então ministro Ronaldo Sardenberg (Ciência e Tecnologia) disse que, ao negociar
nos EUA o acordo para uso da base de Alcântara, os americanos
queriam que o Brasil desistisse do
VLS. Ele afirmou à revista "Veja"
ter respondido que não havia ido
lá para negociar o VLS, mas para
começar a negociar lançamentos
a partir de Alcântara com uso de
tecnologia americana protegida.
Colaborou a Sucursal de Brasília
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