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OPINIÃO
Os responsáveis pelo atraso na pesquisa espacial
RONALDO ROGÉRIO DE FREITAS MOURÃO
ESPECIAL PARA A FOLHA
A explosão do foguete na base
de Alcântara exige uma profunda
análise das suas causas. Acidentes
durante os lançamentos não são
motivo para que seja abandonado
o programa espacial de 42 anos
que, apesar de muito atrasado, já
deu alguns poucos excelentes resultados, em particular, na realização do projeto do Satélite de
Coleta de Dados (SCD-1), primeiro satélite com tecnologia nacional, lançado com foguete estrangeiro.
Nesse período, uma das decisões mais sábias ocorreu durante
o governo de José Sarney, quando
foi assinado o acordo de cooperação com a China para a construção de dois satélites de sensoriamento remoto, os "China-Brazil
Earth Resources Satellites"
(CBERS, Satélites Sino-Brasileiros
de Recursos Terrestres), lançados
pelos foguetes chineses da série
Longa Marcha.
O que nos falta é um lançador
de satélites. O projeto desse lançador brasileiro, o VLS (Veículo
Lançador de Satélites), aprovado
no Segundo Seminário de Atividades Espaciais, em novembro de
1979, no âmbito da chamada Missão Espacial Completa Brasileira
(MECB), ficou a cargo do Instituto de Atividades Espaciais (IAE)
do Centro Técnico Aeroespacial
(CTA), assim como o Centro de
Lançamentos.
Depois de 20 anos, um intervalo
longo demais para um projeto
dessa natureza, tendo em vista o
rápido desenvolvimento das tecnologias espaciais, foi feito um
primeiro teste em 2 de novembro
de 1997.
Um segundo ocorreu em dezembro de 1999 e, finalmente, foi
preparado um terceiro, que seria
lançado quase quatro anos depois, que não chegou a ser efetivado em virtude da explosão do foguete ainda na torre de lançamento, provavelmente em consequência de falha humana.
Qual o motivo desses 20 anos
para iniciar o programa? Ausência de incentivo por parte do governo, que não deu o apoio necessário às pesquisas.
Na realidade, os três acidentes
deveriam ter ocorrido pelo menos
no fim dos anos 1980, ainda no
período do regime militar. Os satélites SCD, concluídos com atraso no início da década de 1990, deveriam ter sido lançados pelo
VLS. Não foram. Pagou-se o preço de dois VLS para lançar cada
um deles.
O mais grave foi a preparação
do lançamento do terceiro protótipo do VLS. De maio a outubro
de 2002, a direção do CTA reduziu a jornada de trabalho para encurtar os gastos com alimentação
e energia elétrica, na tentativa de
viabilizar o lançamento do VLS.
Nesse período, às terças e quintas-feiras os funcionários começavam a trabalhar a partir das 13h.
Nas sextas-feiras, o expediente ia
das 7h30 às 12h.
Tudo isso para que o projeto
não tivesse uma parada. O presidente da República na época, Fernando Henrique Cardoso, bloqueou a verba destinada ao projeto. Apesar da contribuição ter sido aprovada no Congresso, o governo manteve o bloqueio que
atingiu também a Marinha e o
Exército. Situação agravada com
a fuga de engenheiros especializados em virtude dos salários: um
doutor recebe um salário de R$ 2
mil por mês.
Àqueles que permanecem, por
idealismo, só resta uma sobrecarga de trabalho e uma insegurança
financeira causadora de estresse,
decerto o pior inimigo de um trabalho de tamanha precisão e responsabilidade.
O projeto não pode e nem deve
ser abandonado. No entanto, é
necessária uma revisão do programa, que deve estar defasado
em relação às novas tecnologias
espaciais que surgiram durante
esse longo período. O Brasil já deveria estar dominando a tecnologia dos combustíveis líquidos, como a Índia, que possui lançadores
e satélites de telecomunicação, espionagem etc.
Acidentes acontecem, mas estarmos tão atrasados em relação à
Índia, que começou junto com o
Brasil, só tem uma explicação: faltou o incentivo e a decisão política
dos nossos governantes e políticos dos últimos quatro decênios.
Ronaldo Rogério de Freitas Mourão, astrônomo, fundador e primeiro diretor do Museu de Astronomia e ciências Afins do Rio de Janeiro, é autor de mais de 70 livros, entre eles "Astronáutica do Sonho à Realidade"
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