|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Micro/Macro
Um mundo de cordas
Marcelo Gleiser
especial para a Folha
A física moderna sofre de um sério
problema matrimonial: suas duas
teorias mais fundamentais, a teoria da
relatividade geral de Einstein -que descreve a gravidade- e a mecânica quântica -que descreve os átomos, as partículas elementares da matéria e suas interações-, são incompatíveis.
O problema vem da grande diferença
de intensidade entre a gravidade e as outras três forças que regem o comportamento das partículas elementares, a força eletromagnética e as forças nucleares
forte e fraca. A gravidade é muito mais
fraca, tendo um papel irrelevante na interação entre os tijolos fundamentais da
matéria, ao menos nas energias que podemos testar até agora.
Essa diferença entre as forças da natureza leva a uma série de questões. Primeiro, por que ela existe? Deve haver um
motivo para tal. Segundo, será que essa
diferença não muda quando estudamos
o comportamento da matéria a altas
energias, bem mais altas do que as que
experimentamos em nosso dia-a-dia?
Terceiro, será que essas forças e seu comportamento têm alguma relação com o
número de dimensões do espaço?
Einstein, durante as três últimas décadas de sua vida, dedicou-se à busca de
uma teoria unificada das forças, na época apenas a gravidade e o eletromagnetismo. Segundo ele, seguindo um veio filosófico inspirado por idéias platônicas,
a natureza, em sua essência, deve ser
simples, e sua ordem, expressa geometricamente. Ou seja, a geometria deve ter
um papel básico na descrição da ordem e
da simetria que há na natureza. Mesmo
nas simetrias que não são aparentes aos
olhos, como a simetria matemática entre
as forças que regem os processo naturais
envolvendo as partículas de matéria.
Einstein não conseguiu obter a teoria
unificada, mas seus esforços originaram
uma busca que continua até hoje. Sem
dúvida, ele mal reconheceria as teorias
unificadas atuais. A mais importante, a
teoria das supercordas, pressupõe um
Universo existindo em dez dimensões
(ou 11, dependendo da versão da teoria),
onde as entidades fundamentais da matéria não são partículas, mas cordas minúsculas e muito finas.
Essas teorias foram desenvolvidas nos
anos 60 para explicar o estranho comportamento dos quarks, que compõem
as partículas que interagem através da
força nuclear forte, incluindo o próton e
o nêutron. Um próton é formado por
três quarks que nunca são vistos isoladamente. Pense nele como uma laranja e
nos quarks como sementes que jamais
podem ser extraídas de seu interior. As
cordas foram originalmente criadas para
explicar esse comportamento bizarro,
chamado de confinamento.
Logo em seguida, nos anos 70, se descobriu que as cordas poderiam ser generalizadas para explicar tanto as partículas de matéria quanto as partículas que
transmitem as interações entre as partículas de matéria, as chamadas partículas
de força. Um exemplo de partícula de
força é o fóton, que transmite a força eletromagnética entre duas partículas com
carga. Tais como cordas normais, essas
cordas fundamentais podem vibrar de
vários modos, cada um deles com uma
determinada energia. As partículas existentes são associadas aos vários modos
de vibração das cordas.
Um dos modos de vibração das cordas
é equivalente às partículas que transmitem a força gravitacional, os grávitons.
Ou seja, as cordas podem, em princípio,
descrever todas as forças da natureza a
partir dos padrões geométricos de suas
vibrações. Mais ainda, elas só fazem sentido em dez dimensões, nove espaciais e
uma temporal (ou 11, nas "teorias-M",
que reúnem os cinco tipos possíveis de
supercordas). Isso pode explicar qual a
dimensionalidade do espaço.
A resposta que temos, três, é devido à
observação de que vivemos em três dimensões. Se existem outras, elas são menores do que podemos detectar. Compreender isso como consequência de
uma teoria sobre a estrutura material do
mundo é ligar, de modo profundo, o espaço e o tempo com a matéria.
Só resta agora o teste experimental.
Qualquer teoria, por mais bela, tem de
ser testada. Até agora, não existe indicação alguma de que a teoria das supercordas seja verdadeira. Mas nos próximos
anos isso pode mudar, com novos experimentos em andamento capazes de
comprovar a realidade das supercordas e
resolver o casamento da relatividade
com a mecânica quântica. Ou não.
Marcelo Gleiser é professor de física teórica do
Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do
livro "O Fim da Terra e do Céu"
Texto Anterior:
+ ciência: Equilíbrio pontuado Próximo Texto: Ciência em Dia: Proibição da clonagem pela ONU Índice
|