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Ciência em Dia
A volta da gosma cinza
Marcelo Leite
colunista da Folha
Há idéias infecciosas, que parecem se
auto-reproduzir e se propagar de cérebro em cérebro, ou de escrito em escrito
(Richard "Gene Egoísta" Dawkins tentou
batizá-las como "memes", mas não se pode dizer que o neologismo tenha virado coqueluche). Uma delas, muito persistente, é
a que resume um mecanismo similar à reação em cadeia na imagem da gosma cinza
("gray goo", em inglês), uma multidão de
robôs auto-replicadores nanoscópicos que
cobriria a Terra em dias ou semanas, em
um pesadelo de ficção científica.
(Quem foi criança na década de 60 não
deixará de se lembrar de um filme horrível,
em todos os sentidos: "A Bolha Assassina"
-que era vermelha, tipo bordô. O livro
"Presa", de Michael Crichton, explora o
mesmo motivo fagocitante, mas até que
não foi difícil escapar dele.)
A epidemia vinha provocando uma reação forte na sempre débil opinião pública,
com uma farta produção de anticorpos até
contra a idéia geral da nanotecnologia
(manipulação e fabricação de dispositivos
na escala de milionésimos de milímetro).
Já aparecia no radar alérgico dos adversários da biotecnologia, por exemplo. O próprio inventor da idéia decidiu vir a público
para defender essa modalidade imaginária
de engenharia, que estava mal das pernas
antes mesmo de começar a caminhar.
O homem se chama Eric Drexler e aparentemente foi o primeiro autor a fabular
sobre a gosma cinza num livro de 1986,
"Engines of Creation" (Motores da Criação). Drexler, que hoje dirige o Foresight
Institute (www.foresight.org), acaba de
publicar com Chris Phoenix, do Centro para Nanotecnologia Responsável
(www.crnano.org), um artigo que diz que
nunca marchará sobre a Terra a horda de
nanorrobôs auto-replicadores popularizada por ele e pelo inventor Ray Kurzweil.
O texto saiu -zero de surpresa- no periódico "Nanotechnology" (www.iop.org/EJ/journal/Nano). Seu argumento é
que nanorrobôs capazes de deslanchar a
gosma cinza seriam tanto desnecessários
quanto ineficientes, econômica e tecnologicamente. Por via das dúvidas, ele também afirma no texto que qualquer coisa no
gênero deveria ser proibida.
O primeiro argumento de Drexler é que
nanorrobôs capazes de copiar a si mesmos
precisariam usar biomassa ou outros materiais complexos como matéria-prima, o
que seria ineficiente. Faria mais sentido
projetá-los para uma fonte mais simples e
homogênea de átomos, como acetona.
Também lhe parece desnecessário dotar
as manufaturas moleculares de conjuntos
completos de instruções, condição necessária para a auto-replicação. Mais econômico, simples e versátil seria usar um computador externo para "carregá-las" com o
programa momentaneamente necessário
(seriam mais úteis como máquinas com finalidades múltiplas, e não dedicadas a fazer somente cópias de si mesmas).
Por fim, tampouco faria sentido dotar as
nanomáquinas de mobilidade. Para Drexler, elas ficariam confinadas dentro de um
aparelho do tamanho de um periférico de
computador: "E é improvável que uma
máquina como uma impressora de mesa,
para dizer o mínimo, se torne selvagem, se
reproduza, se auto-organize e saia por aí
comendo gente."
Tem lógica. Mas vírus de computador
também não fazem muito sentido, nem comem gente, só que existem.
E-mail: cienciaemdia@uol.com.br
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