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Ciência em Dia
Economia vs. ecologia
Marcelo Leite
editor de Ciência
Era rara a aula de Theodore Panayotou na Escola Kennedy de Governo, da Universidade Harvard, em que esse
especialista em economia de recursos
naturais não se via obrigado a repetir um
esclarecimento: o resultado de tantos
cálculos de custos e benefícios não correspondia a uma decisão sobre ir ou não
em frente com determinado projeto econômico, apesar de danos ao ambiente,
mas apenas a um subsídio. A decisão, como sempre, continuaria a ser ética e política -como na conferência Rio +10, que
começa amanhã em Johannesburgo.
Tal é a fonte de todo o potencial da
contabilidade ambiental, mas também
de muitos mal-entendidos sobre ela.
Pode-se, ao menos em princípio, calcular em valores monetários quanto a sociedade perderia e quanto ganharia com
a pavimentação da BR-163 entre Cuiabá
e Santarém, por exemplo. Coisas como a
redução do preço do frete da soja plantada no Centro-Oeste para exportação,
carregada em barcaças de Santarém a
Belém. Ou como milhares de quilômetros quadrados de floresta virgem derrubados, numa faixa de 30 quilômetros ao
longo de toda a rodovia, como ensina o
passado recente da Amazônia.
Os governos brasileiros não têm tradição de fazer esse tipo de conta, como
atestam as cicatrizes na mata flagradas
por satélites. Algumas organizações não-governamentais (ONGs) batalham para
que tais cálculos comecem a ser realizados, mas há quem as critique por isso. O
argumento é que a floresta deveria ser
preservada como um valor em si, não
porque sai mais caro ou mais barato implantar aquela obra no lugar dela.
A natureza não tem preço, dizem. Essa
convicção ética é legítima, mas nada resolve. Sempre haverá alguém para contra-argumentar que o bem-estar das pessoas deve pesar mais que a sobrevivência
do ecossistema. É uma questão tão insolúvel e malformulada quanto afirmar
que os direitos humanos "das vítimas"
valem mais que os "dos bandidos".
Ter os números à mão ajuda, pois eles
elevam o teor de objetividade ao debate
público, mas isso tampouco resolve a
questão. Os métodos para calcular o valor de um ecossistema ainda são rudimentares, diante da complexidade envolvida, e sujeitos a muitas incertezas.
O que deve pesar na conta, o valor da
madeira em pé? Ora, esse valor só se realizará quando ela for cortada e vendida.
As receitas estimáveis de um pólo de ecoturismo ainda inexistente? Os serviços
que aquela mata fornece de graça para a
economia, estocando carbono que de
outro modo acabaria na atmosfera, agravando o efeito estufa? Hoje não há mercado para essa commodity, mas a escassez poderá acabar por criá-lo.
Quando se dedicam a estimar custos e
benefícios em escala global, então, estudos de economia ambiental tendem a ser
vistos com descrédito. Há poucos anos, o
especialista Robert Costanza, dos EUA,
calculou que a biosfera providenciava
serviços para a economia mundial na casa de US$ 33 trilhões anuais -mais que
o PIB total do planeta, o que para muita
gente não faz o menor sentido.
Fazer compras a descoberto no cartão
de crédito tampouco tem muito sentido,
mas as pessoas se revelam "irracionais" o
tempo todo. Um trabalho na revista
"PNAS" diz que a humanidade está dando cheques sem fundo desde o começo
dos anos 80 e já vive pelo menos 20% acima do que permite a sua própria renda.
Pôr cifras nessas coisas não torna as decisões mais fáceis, mas pode criar uma
linguagem comum, capaz de reunir na
mesa de negociação visões adversárias
-desde que os outros valores, os éticos,
por definição irredutíveis à econometria,
sejam provisoriamente postos entre parênteses. Provisoriamente.
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