São Paulo, domingo, 25 de agosto de 2002

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Ciência em Dia

Economia vs. ecologia

Marcelo Leite
editor de Ciência

Era rara a aula de Theodore Panayotou na Escola Kennedy de Governo, da Universidade Harvard, em que esse especialista em economia de recursos naturais não se via obrigado a repetir um esclarecimento: o resultado de tantos cálculos de custos e benefícios não correspondia a uma decisão sobre ir ou não em frente com determinado projeto econômico, apesar de danos ao ambiente, mas apenas a um subsídio. A decisão, como sempre, continuaria a ser ética e política -como na conferência Rio +10, que começa amanhã em Johannesburgo.
Tal é a fonte de todo o potencial da contabilidade ambiental, mas também de muitos mal-entendidos sobre ela.
Pode-se, ao menos em princípio, calcular em valores monetários quanto a sociedade perderia e quanto ganharia com a pavimentação da BR-163 entre Cuiabá e Santarém, por exemplo. Coisas como a redução do preço do frete da soja plantada no Centro-Oeste para exportação, carregada em barcaças de Santarém a Belém. Ou como milhares de quilômetros quadrados de floresta virgem derrubados, numa faixa de 30 quilômetros ao longo de toda a rodovia, como ensina o passado recente da Amazônia.
Os governos brasileiros não têm tradição de fazer esse tipo de conta, como atestam as cicatrizes na mata flagradas por satélites. Algumas organizações não-governamentais (ONGs) batalham para que tais cálculos comecem a ser realizados, mas há quem as critique por isso. O argumento é que a floresta deveria ser preservada como um valor em si, não porque sai mais caro ou mais barato implantar aquela obra no lugar dela.
A natureza não tem preço, dizem. Essa convicção ética é legítima, mas nada resolve. Sempre haverá alguém para contra-argumentar que o bem-estar das pessoas deve pesar mais que a sobrevivência do ecossistema. É uma questão tão insolúvel e malformulada quanto afirmar que os direitos humanos "das vítimas" valem mais que os "dos bandidos".
Ter os números à mão ajuda, pois eles elevam o teor de objetividade ao debate público, mas isso tampouco resolve a questão. Os métodos para calcular o valor de um ecossistema ainda são rudimentares, diante da complexidade envolvida, e sujeitos a muitas incertezas.
O que deve pesar na conta, o valor da madeira em pé? Ora, esse valor só se realizará quando ela for cortada e vendida. As receitas estimáveis de um pólo de ecoturismo ainda inexistente? Os serviços que aquela mata fornece de graça para a economia, estocando carbono que de outro modo acabaria na atmosfera, agravando o efeito estufa? Hoje não há mercado para essa commodity, mas a escassez poderá acabar por criá-lo.
Quando se dedicam a estimar custos e benefícios em escala global, então, estudos de economia ambiental tendem a ser vistos com descrédito. Há poucos anos, o especialista Robert Costanza, dos EUA, calculou que a biosfera providenciava serviços para a economia mundial na casa de US$ 33 trilhões anuais -mais que o PIB total do planeta, o que para muita gente não faz o menor sentido.
Fazer compras a descoberto no cartão de crédito tampouco tem muito sentido, mas as pessoas se revelam "irracionais" o tempo todo. Um trabalho na revista "PNAS" diz que a humanidade está dando cheques sem fundo desde o começo dos anos 80 e já vive pelo menos 20% acima do que permite a sua própria renda.
Pôr cifras nessas coisas não torna as decisões mais fáceis, mas pode criar uma linguagem comum, capaz de reunir na mesa de negociação visões adversárias -desde que os outros valores, os éticos, por definição irredutíveis à econometria, sejam provisoriamente postos entre parênteses. Provisoriamente.



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