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Micro/Macro
O quarteto fantástico
Marcelo Gleiser
especial para a Folha
Existem muitas janelas para os céus.
Aquela aberta ao olho humano -as
cores que percebemos diretamente entre
o vermelho e o violeta do arco-íris- não
passa de uma mera fresta no enorme espectro da radiação eletromagnética.
Apesar de invisível aos nossos olhos,
grande parte deste espectro é bastante familiar: os raios X usados em medicina e
odontologia, as lâmpadas ultravioleta
usadas para melhorar o bronzeado
(muito populares onde moro, no norte
dos EUA), as ondas de rádio, o infravermelho do controle remoto. Existe todo
um mundo de radiação à nossa volta
que, mesmo invisível aos olhos, não deixa de ser real. A reconstrução da realidade física não deve se limitar à porção do
espectro eletromagnético que vemos: o
invisível é tão importante quanto o visível. E, às vezes, muito mais.
Por trás dessa radiação toda está um fato muito simples: tudo na natureza é
composto por átomos. Por sua vez, os
átomos são compostos por partículas
que carregam pequenas cargas elétricas;
o elétron, negativo, girando em torno do
núcleo, positivo. Quando cargas elétricas
são aceleradas, elas irradiam ondas eletromagnéticas. As características da radiação emitida dependem de seu movimento. Movimentos mais energéticos
emitem, em geral, radiação mais energética. O que distingue um tipo de radiação
-a luz amarela, por exemplo- de outro -como o raio X- é a sua frequência. Quanto mais energética a radiação,
maior é a sua frequência.
Por exemplo, quando o controle de
temperatura de um fogão elétrico é girado apenas um pouco, sentimos o calor
saindo da resistência, mas ela não emite
luz. Essa radiação invisível faz parte do
infravermelho. Ao aumentarmos a temperatura, a resistência começa a brilhar
em um tom de vermelho. A luz visível
tem maior frequência (e, portanto, energia) do que a radiação infravermelha.
Quando olhamos para o céu noturno,
vemos o que emite luz visível, as estrelas,
os planetas, a Lua e, em noites claras, nuvens de gás na Via Láctea. Mas essa é apenas uma fresta da radiação que existe nos
céus. A partir da segunda década do século 20, foram desenvolvidos instrumentos para "ver" as outras partes do espectro eletromagnético, de modo a obter
a maior quantidade possível de informação sobre o cosmo. Hoje, astrônomos
vasculham os céus com vários tipos de
telescópio, capazes de detectar radiação
em praticamente todas as partes do espectro eletromagnético, desde os raios X
emitidos por matéria sendo sugada por
buracos negros até ondas de rádio emitidas por objetos muito distantes, a bilhões de anos-luz do Sistema Solar.
Melhor ainda é ter telescópios no espaço, onde eles estão livres das várias perturbações causadas pela atmosfera da
Terra. Com isso em mente, a Nasa projetou quatro telescópios-satélites. Pense
no espectro eletromagnético como uma
torta, com cada satélite podendo comer
apenas parte dela. O mais famoso é o Telescópio Espacial Hubble, lançado em
1990, que vem fornecendo imagens espetaculares do cosmo. O Hubble trabalha
na porção visível do espectro.
Outro é o Observatório Compton de
Raios Gama, a radiação mais energética
que existe, emitida quando estrelas explodem ao fim de sua vida. O terceiro é o
Telescópio de Raios X Chandra, lançado
em 1999 que, entre outras coisas, é usado
na observação de buracos negros.
O último integrante do quarteto, com
lançamento previsto para agosto, detecta
infravermelho. Sua missão principal é
observar o nascimento de planetas extra-solares, orbitando estrelas distantes. Será
que esses sistemas solares são muito diferentes do nosso? Ou será que nosso Sistema Solar é típico? Em breve teremos
uma resposta. Mas, se o que aprendemos
no decorrer da história da ciência serve
como guia, nada no Universo se distingue por ser único, mas por ser múltiplo.
Marcelo Gleiser é professor de física teórica do
Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do
livro "O Fim da Terra e do Céu"
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