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São Paulo, domingo, 29 de junho de 2003

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+ ciência

NOVA LUZ

Jan Bauer - 25.set.2002/Associated Press
Pessoas observam a obra "Target" (alvo, em inglês), de John Armlender, em exposição no ArtForum de Berlim, Alemanha



Nasce a plasmônica, campo de pesquisa física que põe em xeque alguns dos postulados fundamentais da teoria óptica e pode transformar o processamento de informações


Bruce Schechter
da "New Scientist"'

Thomas Ebbesen segura um pedaço de folha de ouro diante de uma luz e olha através dela. Produzida há 14 anos por técnicos do Instituto de Pesquisas NEC, em Princeton, Nova Jersey -onde Ebbesen trabalhava na época- , à primeira vista a lâmina não chama a atenção. Mas, se você a olhar com a ajuda de um microscópio de elétrons, verá que é pontilhada por 100 milhões de furos idênticos, cada um deles 200 vezes mais estreito do que um fio de cabelo humano. Entretanto, há algo de muito mais extraordinário ainda nessa fina lâmina de ouro: mais luz passa pelos furos do que chega a eles.
É uma descoberta que desafia tudo o que sabemos sobre a luz. De acordo com a teoria óptica, com 300 nanômetros de largura, os furos são tão pequenos que deveriam deixar passar apenas 0,01% da luz visível que incide diretamente sobre eles. Mas o experimento de Ebbesen sugere que estavam transmitindo mais de 100%. De alguma maneira o metal estava atuando como funil, canalizando toda a luz que atingia a folha.
O fenômeno não apenas está levando os teóricos a repensar sua visão da óptica, como provocou o surgimento de um novo campo de pesquisa batizado como "plasmônica", que está revolucionando o que se pode fazer com a luz. Dentro em breve poderemos estar utilizando a superfície de metais para deslocar informações à velocidade da luz por circuitos eletrônicos que não medem mais do que alguns átomos de largura. "A plasmônica será a próxima grande notícia na nanociência", diz Naomi Halas, da Universidade Rice (Houston, EUA).
Até pouco tempo atrás, questionar a teoria da luz seria impensável. Por mais de um século, os cientistas acreditaram que fosse impossível enxergar objetos menores do que o comprimento de onda da luz que os ilumina.


Tecnologia teve sua fagulha inicial há 14 anos, quando pesquisadores dos EUA produziram uma lâmina de ouro cujos furos transmitiam mais luz do que recebiam


De acordo com a óptica clássica, a luz se espalha a partir de cada ponto de um objeto, enviando para fora ondas que se espalham como as de um lago. Se você deixar duas pedras caírem na água, verá as ondas se sobrepondo. Se as pedras estiverem distantes uma da outra, o desenho das ondas geradas por cada pedra aparecerá claramente, e você perceberá que duas pedras foram atiradas. Mas, se as pedras estiverem juntas quando caírem na água, o padrão de interferência fica tão confuso que não se pode dizer quantas pedras foram atiradas. A mesma coisa acontece com ondas de luz rebatidas por um objeto. Na realidade, as únicas ondas de luz capazes de viajar alguma distância -aquelas que vemos quando olhamos para um objeto- vêm de pontos separados por aproximadamente um comprimento de onda de luz. Isso é conhecido como o limite da difração e aparece em todos os livros didáticos sobre óptica. Seguindo o mesmo raciocínio, a luz que bate numa tela repleta de furos menores do que seu comprimento de onda sofre forte interferência. A interferência será tão grande que praticamente luz nenhuma parece conseguir atravessar de um lado ao outro. Em lugar disso, a maior parte da energia da luz fica presa perto da tela, sob a forma de uma onda evanescente ou de superfície. Assim, Ebbesen ficou surpreso quando viu luz solar passar pelos furos de 300 nanômetros de largura, muito menos do que o comprimento de onda da luz visível. Num primeiro momento, ele achou que havia algo de errado com a folha de ouro, feita originalmente para um experimento que testaria a teoria quântica das interações eletromagnéticas. Mas um olhar rápido para sua superfície mostrou que ela era perfeita. Ebbesen teve uma surpresa ainda maior quando descobriu que os furos transmitiam mais luz do que incidia sobre eles. ""Isso me deixou perplexo", diz o pesquisador, hoje na Universidade Louis Pasteur, em Estrasburgo (França). Os experimentos continuaram um enigma até 1998, quando o teórico Peter Wolf entrou para o NEC e tomou conhecimento dos resultados estranhos de Ebbesen. Wolf é especialista em calcular a maneira como os elétrons se comportam nos metais. Sobre a superfície de um metal, os elétrons podem se deslocar livremente para formar um oceano bidimensional capaz produzir ondas chamadas plasmônios de superfície. Wolf percebeu que a luz sobre uma superfície metálica podia fazer o mar de elétrons vibrar. Ele calculou que, se a frequência da luz que atingisse o metal de forma correspondesse à frequência ressonante dos plasmônios de superfície, isso poderia gerar os efeitos bizarros que Ebbesen estava testemunhando. Wolf sugeriu mais alguns experimentos para confirmar sua teoria, e, em 1998, eles finalmente publicaram a descoberta na revista "Nature" Wolf e Ebbesen tinham demonstrado que a luz atravessa os furos, sendo convertida brevemente em plasmônios de superfície no metal e depois voltando a ser o que era. Mas isso só acontece quando a luz e os plasmônios de superfície possuem a mesma energia e o mesmo impulso. Não acontece no caso de metal liso e brilhante, mas a situação muda quando falamos de metais com furos. Os furos ajustam a energia de impulso dos plasmônios de superfície exatamente o suficiente para que correspondam à luz. É só acertar o tamanho dos furos e, quando a luz de um comprimento de onda específico atingir o metal, os plasmônios de superfície vão começar a ressoar. Na folha laminada de Ebbesen, os plasmônios de superfície acumulam a energia eletromagnética da luz e a concentram em torno dos furos. Como os plasmônios comprimem a energia eletromagnética nesse volume minúsculo, eles criam um campo elétrico intenso que detém a chave a suas muitas aplicações. Na folha laminada de Ebbesen, o campo intenso em torno do furo consegue penetrar até o outro lado do metal, onde ele excita um segundo conjunto de plasmônios de superfície. Esses reconvertem a energia em luz. Assim, embora a luz pareça atravessar a folha, ela não é a mesma que atingiu o metal. Os cientistas sabem da existência dos plasmônios de superfície desde os anos 1950, mas só recentemente conseguiram esculpir estruturas nanométricas sobre metais. Para fazer milhões de furos num laminado de ouro do tamanho de um selo postal, os técnicos da NEC utilizaram íons de gálio que podem ser focalizados, com campos elétricos, num raio de apenas alguns nanômetros de largura. Mas as superfícies texturizadas não constituem a única maneira de ativar plasmônios de superfície -muitos pesquisadores preferem formá-los em nanopartículas metálicas criadas em laboratório.

Super-rede
Até agora, a aplicação potencial mais importante da plasmônica seria guiar fótons através de circuitos em nanoescala, uma tecnologia conhecida como fotônica. A cada vez que você telefona para o exterior, envia um e-mail ou descarrega um trailer de filme da internet, depende da luz que transporta grandes feixes de dados por meio de fios de fibra óptica. A luz acaba tendo de ser casada com circuitos elétricos para que possa tornar-se uma informação visual e auditiva confiável. O casamento é incômodo devido à imensa diferença entre as escalas em que operam a luz e a eletrônica. As fibras ópticas normalmente carregam luz com comprimento de onda de 650 nanômetros, cinco vezes a largura das faixas nos transistores de um Pentium.
Para reconciliar essas escalas díspares, a luz precisa ser canalizada da fibra óptica para fotodiodos, que a convertem em sinais elétricos. Em seguida, esses sinais precisam ser ampliados antes de passarem para os transistores. Todos esses artefatos extras acabam por impedir os fabricantes de chips de reduzir os circuitos até uma escala nanométrica.
A equipe de Harry Atwater, no Instituto de Tecnologia da Califórnia, em Pasadena, está construindo "guias de ondas" para canalizar a luz diretamente para dentro de um transistor num chip. Como quase tudo o mais na óptica, a largura do guia de onda não pode ser menor do que o comprimento de onda da luz, devido ao limite da difração. Para passar ao largo desse obstáculo, o grupo de Atwater construiu um guia de onda que consiste de uma sequência de nanoesferas metálicas regularmente espaçadas que percorrem a superfície de um isolante como uma trilha de migalhas de pão.
Os pesquisadores direcionam um minúsculo ponto de luz sobre a primeira partícula metálica da cadeia, o que faz os plasmônios de superfície começarem a vibrar na nanoesfera. Se não houvesse outras nanopartículas por perto, a partícula ressonante reemitiria a luz em todas as direções. Em lugar disso, é mais fácil para a nanopartícula transferir sua energia, induzindo um campo elétrico na próxima nanopartícula da cadeia. Essa partícula interage com a seguinte, e assim por diante. Até agora Atwater já criou guias de onda que medem apenas 30 nanômetros de largura -muito menores do que o comprimento de onda da luz. O próximo desafio será encontrar maneiras melhores de passar a luz para dentro e para fora dos guias de onda.
Algumas pistas podem vir do trabalho mais recente de Ebbesen. No ano passado, sua equipe mostrou que não é preciso dispor de milhões de furos para canalizar a luz através de uma folha metálica. Basta um. Só é necessário um desenho regular, como o de um alvo, inscrito na superfície do metal em torno do furo. Os círculos concêntricos que Ebbesen gravou em sua folha metálica mais recente concentram os plasmônios, exatamente como os furos em seu experimento original.
Quando a luz emergiu do outro lado da folha, ela se espalhou em todas as direções, mas Ebbesen se perguntou o que aconteceria se ele gravasse o desenho dos dois lados da folha. Ele previu que a luz emergiria num raio apertado, em lugar de se espalhar, e foi exatamente isso o que aconteceu. Na verdade, o raio que emergiu foi tão estreito que, num primeiro momento, ninguém acreditou no resultado. Foi só quando Ebbesen e seus colegas ofereceram uma explicação plausível do raio estreito que a revista "Science" decidiu publicar seu artigo.
As utilizações potenciais da plasmônica não se limitam à óptica. As aberturas de Ebbesen podem acabar por ajudar os fabricantes de computadores a construir computadores mais velozes e mais baratos. O número de transistores que podem ser incluídos num microchip dobra mais ou menos a cada 18 meses. Para que essa tendência continue, os fabricantes de chips precisam encontrar maneiras de esculpir circuitos cada vez menores. No momento, desenhos tão pequenos quanto 130 nanômetros são gravados sobre silício com a ajuda de um raio laser ultravioleta aplicado através de furos numa máscara gravada. Mas não é possível encolher os furos eternamente -em algum momento será atingido o limite da difração. Nesse ponto, pouca luz atravessa a máscara, e a luz que consegue atravessá-la se espalha, distorcendo os detalhes finos do microchip.
Alguns fabricantes estudam a possibilidade de substituir suas fontes de luz por raios de íons ou elétrons com comprimentos de onda muito menores do que a luz. Mas substituir todo o equipamento existente custaria caro, e, com o tempo, os fabricantes voltariam a alcançar o limite da difração. Se a idéia de Ebbesen der certo, talvez seja muito mais simples e barato ajustar suas aberturas aos equipamentos existentes.

Tradução de Clara Allain


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