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Micro/Macro
Cinquenta anos de "vida" no laboratório
Marcelo Gleiser
especial para a Folha
O ano de 1953 foi notável para a biologia. James Watson e Francis Crick
apresentaram seus resultados sobre a estrutura da molécula de DNA, revelando a
sua forma de dupla hélice. Essa descoberta, devidamente celebrada neste seu
cinquentenário, abriu as portas para a
manipulação direta dos genes, que hoje
começa a dar frutos.
O século 21 promete ser o século da genética, em particular da engenharia genética. Dos alimentos transgênicos aos
clones animais, estamos presenciando o
despertar de uma nova ciência que, como é de praxe com descobertas revolucionárias, vem acompanhada de muitas
promessas e medos. Ao estendermos a
engenharia genética aos humanos, estamos pondo em xeque não só a sua capacidade de curar (ou prevenir) várias
doenças como, também, de redefinir o
que significa ser humano em um contexto no qual seres podem, ao menos em
princípio, ser fabricados.
Mas a estrutura do DNA não foi a única
grande descoberta em bioquímica realizada em 1953. Os americanos Harold
Urey e Stanley Miller tentaram algo ainda mais ambicioso: fabricar a vida, ou ao
menos alguns de seus ingredientes básicos, no laboratório. A origem da vida na
Terra era (e ainda é) um grande mistério.
E não é para menos. Em sua essência, seres vivos são conjuntos de macromoléculas orgânicas de grande complexidade, capazes de realizar uma série de operações e transformações químicas que
levam à sua subsistência (alimentação) e
à sua reprodução. De alguma forma, moléculas inertes, quando combinadas a
um certo nível de complexidade, se
transformam em seres vivos. A questão é
como se dá esta combinação, ou melhor,
como o simples se torna complexo e,
eventualmente, vivo.
Urey e Miller partiram do princípio de
que a composição química da Terra primordial era simples. A sua idéia era reproduzir o ambiente de então no laboratório, tentando gerar moléculas orgânicas complexas a partir de moléculas simples. Vem à mente o popular jogo infantil
Lego, no qual pequenos blocos, quando
conectados de forma correta, produzem
estruturas arbitrariamente complexas.
Urey e Miller sugeriram que, se os
compostos químicos simples funcionavam como os blocos de Lego, a eletricidade existente na Terra primordial seria
a força que fundiria o simples em complexo (equivalente, de certa forma, à inteligência da pessoa que cria as estruturas com Legos, a faísca criadora). Essa
eletricidade primordial era consequência da intensa atividade atmosférica da
época, que gerava um número enorme
de relâmpagos.
A questão era quais elementos químicos deveriam ser usados. Afinal, a receita
certa depende do conhecimento das
condições da Terra quando ela tinha em
torno de 1 bilhão de anos, algo nada trivial. As pistas deixadas dessa época são
poucas e eram ainda mais escassas em
1953. Urey e Miller supuseram que a sopa primordial fosse composta de água,
metano, dióxido de carbono e amônia,
ou seja, uma mistura de compostos simples contendo os átomos mais essenciais
da bioquímica, hidrogênio, carbono,
oxigênio e nitrogênio.
Os relâmpagos foram simulados por
descargas elétricas, que eram ativadas
periodicamente. Após alguns dias, uma
análise da mistura acusou a presença de
aminoácidos, compostos orgânicos
complexos encontrados em todos os seres vivos na Terra, os blocos que compõem as proteínas. Uma década após o
experimento de Urey e Miller, cientistas
usando processos semelhantes sintetizaram as bases nitrogenadas (ou nucleotídeos) da molécula de DNA.
Esses experimentos, embora tenham
provado que é possível sintetizar moléculas complexas a partir de outras mais
simples, estão longe de sintetizar um ser
vivo ou mesmo uma molécula de DNA.
Críticos argumentam que o ambiente na
Terra primordial era muito diferente e
talvez impróprio à geração de moléculas
complexas. Recentemente, cientistas da
Nasa mostraram que resultados semelhantes podem ocorrer no espaço, onde
eletricidade é substituída por radiação
ultravioleta, proveniente de estrelas.
Nesse caso, as moléculas que deram origem à vida na Terra seriam provenientes
do espaço, transportadas por asteróides
e cometas. O debate continua: no espaço
ou na Terra, o enigma da origem da vida
permanece.
Marcelo Gleiser é professor de física teórica do
Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do
livro "O Fim da Terra e do Céu"
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