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O mistério de Tunguska
Nesta semana, conferências vão comemorar centenário do evento
Na madrugada do dia 30 de junho de 1908, o sr. Semenov fumava calmamente seu cachimbo na varanda de uma estação
comercial na bacia do rio Tunguska,
na Sibéria, quando uma gigantesca explosão celeste lançou-o a seis metros
de distância. O pobre Semenov, além
de perder o seu cachimbo, perdeu
também a consciência. Mais tarde,
deu graças a Deus por ter sobrevivido,
embora -imagino- tenha se perguntado o que os siberianos haviam
aprontado para merecer tal castigo divino. A explosão devastou mais de
2.000 km2 de floresta, derrubando 80
milhões de pinheiros como se fossem
palitos de fósforo. Sismógrafos detectaram tremores equivalentes a um
terremoto com magnitude 5 na escala
Richter. Ondas de choque na atmosfera foram detectadas por barômetros
na Inglaterra. Se a explosão tivesse
ocorrido num centro urbano, milhões
de pessoas teriam morrido.
Com as complicações da Revolução
Bolchevique, da Primeira Guerra
Mundial iniciada em 1914 e a localização remota da devastação, passaram-se quase duas décadas até que uma expedição científica fosse averiguar o
que ocorreu. Apesar de termos hoje
melhores detalhes do evento, ainda
existem dúvidas sobre a sua causa
exata. Os danos na região sugerem
que a explosão tenha ocorrido entre
seis e oito quilômetros de altitude, liberando uma energia de 15 megatoneladas de TNT, equivalente à detonação simultânea de mil bombas atômicas como a que arrasou Hiroshima.
Satélites militares, equipados com
sensores desenhados para detectar,
entre outras coisas, detonações nucleares clandestinas, indicam que versões em miniatura do evento de Tunguska ocorrem freqüentemente. Nos
anos 1990, a desintegração de um asteróide de aproximadamente sete metros de diâmetro liberou dezenas de
quilotons na atmosfera. Impactos de
objetos com diâmetros em torno de
um metro ocorrem ao menos uma vez
por semana, segundo os dados.
O fenômeno de Tunguska, bem
maior, ocorre com uma freqüência de
centenas de anos. Simulações em
computadores que levam em conta a
compressão e superaquecimento do
ar à frente do bólido colocam o seu
diâmetro em torno de 30 metros, como menciono no livro "O Fim da Terra e do Céu". A violência se deve à incrível velocidade do asteróide, cerca
de 15 quilômetros por segundo: você
pisca os olhos e o asteróide cruza os
céus da área metropolitana do Rio.
Nesta semana, várias conferências
vão comemorar o centenário do evento. Cientistas italianos afirmam que
um lago na região teria sido escavado
pela colisão de um dos fragmentos do
bólido. Até hoje não se sabe se era um
pedaço de cometa -formado por gases congelados e poeira- ou de um asteróide rochoso. Outros afirmam que
fotos da região logo após o impacto
mostram árvores intactas, o que contraria os italianos. Uma nova teoria
proposta é que a explosão foi devida a
um fenômeno terrestre conhecido como depósito de kimberlita, um tipo de
erupção que traz diamantes à superfície terrestre e que libera enormes
quantidades de metano, um gás altamente inflamável.
Dentre outras teorias bem mais implausíveis, como a do escritor de ficção científica Alexander Kazantsev,
que sugeriu a explosão de um óvni, ou
a de dois físicos que propuseram a explosão de um miniburaco negro que
atravessou a Terra de sul a norte, explodindo na saída, fica o importante
fato de que nossa atmosfera é como
um colete à prova de balas: protege
contra balas até um certo calibre, mas
não consegue parar um tiro de bazuca.
Refletir sobre nossa fragilidade cósmica é um excelente exercício coletivo de humildade.
MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "A Harmonia do Mundo"
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