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MATT RIDLEY, ZOÓLOGO E JORNALISTA BRITÂNICO, RETOMA DEBATE
SOBRE A ESSÊNCIA HUMANA AO DESAFIAR O SUPOSTO ANTAGONISMO ENTRE A INFLUÊNCIA DOS GENES E A DO AMBIENTE
NATUREZA VIA CRIAÇÃO
Eddy Risch - 28.mar.2003/Associated Press
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Os irmãos Lopez Peres, Ivan (abaixo) e Adans, acrobatas portugueses, em apresentação no circo Knie, na Suíça |
Salvador Nogueira
da Reportagem Local
O livro se chama "O Que nos Faz Humanos". Na
capa da edição brasileira, um modelo estilizado
da molécula de DNA e, em relevo, seqüências de
letras A, T, C e G -as famosas representantes
das quatro bases com as quais é escrito o código genético.
Numa olhada rápida, parece que a obra irá discorrer sobre
quão determinantes os genes são para a definição da natureza e dos comportamentos humanos, certo?
Certo. É isso o que a obra faz. Mas não exatamente. Seu
autor, o zoólogo e jornalista britânico Matt Ridley, passa
boa parte das suas 414 páginas tentando convencer o leitor
de que o velho antagonismo entre natureza e criação (traduzido em inglês pela célebre e charmosa expressão "nature versus nurture") não existe. E que todos os cientistas,
na verdade, pensam em linhas gerais a mesma coisa
-que ambos os fatores são importantes.
O que muda entre eles é o quanto percebem seus supostos antagonistas como totalmente exagerados e fora de foco. Os defensores da natureza -a noção de que os genes
determinam as características da pessoa- e os da criação
-a suposição de que o ambiente é o elemento crucial na
composição da personalidade e dos hábitos humanos-
vivem reconhecendo a importância do outro lado, mas
acusam seus opositores de descartar completamente suas
evidências avassaladoras em favor de seu ponto de vista. A
saída, para Ridley, é um grande "deixa-disso" entre os
dois grupos. Para ele, não existe "nature versus nurture", e
sim "nature via nurture" (por sinal, este é o título original
do livro). Em outras palavras, os genes determinam o
comportamento das pessoas, desde as características físicas até a personalidade e as aptidões, mas esses elementos,
em variados graus, são influenciados pelo ambiente
-que altera a maneira como os genes são ativados.
A idéia não é nenhuma grande novidade. Até o próprio
Ridley reconhece isso quando agradece a David Lykken,
que cunhou a expressão alternativa "nature via nurture",
por ter autorizado seu uso como título para o livro. E é difícil para qualquer pessoa de bom senso, mesmo antes de
ler o livro, renegar essa postura conciliadora em favor de
um extremismo.
Posições dúbias
Depois de lê-lo, entretanto, talvez surja uma crítica ou outra ao que o autor sugere nas entrelinhas. Sua visão de toda a questão é demasiado mecanicista e, em alguns casos, ele presume demais. Diferente de
outro autor famoso que recentemente se aventurou a dissertar sobre a natureza humana num livro de divulgação
ampla (o canadense Steven Pinker, em "Tábula Rasa", publicado no Brasil pela Companhia das Letras), Ridley não
passa a impressão de que todos os principais problemas a
respeito de como funcionam as pessoas estão resolvidos;
por outro lado, ele parte do pressuposto de que eles necessariamente o serão, e que a solução está necessariamente
ligada ao aprofundamento do entendimento do genoma.
Mesmo a título de brincadeira, Ridley deixa transparecer seu demasiado apreço pela defesa da "intencionalidade" dos genes. "Embora em teoria não tenha sentido teleológico falar de um estômago tendo seu propósito, uma
vez que o estômago não tem mente, na prática isso faz perfeito sentido desde que você considere o equivalente gramatical da tração nas quatro rodas, a voz passiva: os estômagos foram selecionados para parecer que são equipados com um projeto intencional. Uma vez que eu tenho
aversão à voz passiva, pretendo evitar este problema em
todo o livro fingindo que na verdade há um engenheiro teleológico pensando à frente e planejando intencionalmente. (...) Eu simplesmente (o) chamarei de Dispositivo de
Organização de Genoma, ou, para resumir, GOD (de "genome organising device'). Isso deixará os religiosos satisfeitos e me permitirá usar a voz ativa." ("God", em inglês,
significa "Deus".)
Também em contraste com Pinker, Ridley se preocupa
muito mais com os genes do que com os aspectos de desenvolvimento ligados à formação do aparato supostamente inato que faz os seres humanos serem o que são. O
espectro de seu livro é um pouco mais fechado, embora
ainda assim mescle de forma agradável elementos de genética, genômica, sociologia, filosofia e história.
Os objetivos principais do livro, entretanto, acabam
ofuscados pelo brilhantismo literário de Ridley. Antes de
correto, equilibrado e imparcial, ele é sobretudo divertido.
Suas anedotas históricas e seu modo de contá-las dão sabor especial ao livro, um que Pinker não consegue imprimir com muita freqüência. E a clareza também joga a favor de "O Que nos Faz Humanos".
O que definitivamente joga contra é a organização interna do livro. O conteúdo, distribuído num prólogo, dez capítulos e um epílogo, raras vezes mostra fluidez nos assuntos tratados, e vez por outra surge a sensação de que Ridley está repetindo a mesma coisa de novo e de novo.
Convencimento pela repetição às vezes parece ser uma de
suas metas. O livro supostamente seria norteado por 12
personagens históricos da discussão "natureza versus criação", retratados por Ridley em uma fotografia imaginária
ao estilo daquela que reuniu os grandes físicos no início do
século 20, com Albert Einstein, Niels Bohr, Max Planck,
Erwin Schrödinger, Werner Heisenberg e Paul Dirac.
Os "12 barbudos", como Ridley os chama, escalados para
seu acirrado debate sobre a natureza humana e apresentados logo no prólogo, seriam Charles Darwin, Francis Galton, William James, Hugo de Vries, Ivan Pavlov, John Watson, Emil Kraepelin, Sigmund Freud, Emile Durkheim,
Franz Boas, Jean Piaget e Konrad Lorenz. Embora todos
eles venham a figurar no livro de uma maneira ou de outra
ao longo dos dez capítulos seguintes, a forma como aparecem é muitas vezes periférica e um pouco distante do que
se poderia supor pela apresentação espetaculosa oferecida
logo de cara.
Contradição
Ao final das contas, a sensação é a de que
Ridley se declara defensor de uma idéia totalmente equilibrada e imparcial, mas acaba tendendo aos mesmos desequilíbrios argumentativos de muitos dos defensores dos
lados "natureza" e "criação". Ele passa o livro todo dizendo que o determinismo ambiental -a posição mais extrema da teoria da "tábula rasa", segundo a qual a mente é
desprovida de elementos inatos e será totalmente moldada
pelo ambiente- é uma posição tão perigosa de defender
quanto o determinismo genético e deixa a sensação de que
não há de fato para onde correr, se alguém quiser preservar
de algum modo os elementos mais essenciais do livre-arbítrio. Ao final, entretanto, usa de recursos filosóficos em
poucas linhas para justificar que o livre-arbítrio continua
defensável. Ele diz: "O livre-arbítrio é inteiramente compatível com um cérebro primorosamente pré-especificado
pelos genes e regido por eles". Mas admite: "Não posso fingir que dei uma descrição refinada do livre-arbítrio, porque não acho que exista alguma". E arremata: "Não há um
"eu" dentro de meu cérebro; há somente um conjunto de
estados cerebrais em eterna transformação, uma destilação de história, emoção, instinto, experiência e influência
de outras pessoas -para não falar no acaso".
Numa forma sugestiva de sua própria dificuldade de
realmente dirimir a polêmica, Ridley encerra com os 12
barbudos com quem começou, sugerindo que nem eles,
com sua capacidade extraordinária reunida, possivelmente teriam resolvido a dicotomia entre natureza e criação.
"Mesmo que tivessem conseguido (...), as hostilidades teriam aparecido com bastante rapidez entre os partidários
de diferentes teorias: é da natureza humana."
O que nos faz humanos
de Matt Ridley
408 págs. R$ 44,90
Editora Record (r. Argentina, 171, Rio de Janeiro, RJ, CEP 20921-380, tel. 0/xx/21/2585-2000)
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