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Micro/Macro
De volta!
Marcelo Gleiser
especial para a Folha
Caros leitores, desculpem o alarme falso. Mas, se estou de volta, isso se deve a
vocês. Aos que perderam a "Micro/Macro"
da semana passada, um resumo: a reestruturação do jornal levou a uma série de cortes, todos, imagino, muito difíceis para a
administração. Um deles havia sido "Micro/Macro". Domingo passado havia me
despedido, escrevendo a "última" coluna.
De lá para cá, algo fantástico ocorreu.
Não sei exatamente quantos, mas muitos
leitores escreveram à Folha e para mim
mesmo reclamando. Depois que souberam que a escolha não havia sido minha,
pediram que a coluna voltasse. E assim foi
feito. Parabéns a vocês, leitores, que me
apoiaram e a quem agradeço de coração.
Parabéns também à Folha, por ter mantido este raríssimo espaço na imprensa brasileira para a ciência e suas repercussões
sociais e culturais, e por ter mostrado enorme respeito por seus leitores.
Um dos temas abordados na "última"
"Micro/Macro" foi a existência de planetas
extra-solares, ou seja, planetas que circulam em torno de outras estrelas que não o
Sol. Escrevi que "mais de cem planetas extra-solares foram descobertos girando em
torno de estrelas vizinhas. É bem verdade
que eles não têm muito a ver com a Terra,
sendo mais parecidos com Júpiter".
A importância disso é saber se somos ou
não especiais: se outros sistemas solares
são muito diferentes do nosso, só com planetas gigantes e gasosos como Júpiter, poderíamos concluir que nossa existência, ou
ao menos a de planetas semelhantes à Terra, é mesmo uma raridade cósmica. Enquanto víamos se a "Micro/ Macro" sobreviveria ou não, astrônomos europeus finalizavam sua análise de um planeta em órbita de uma estrela a 50 anos-luz do Sol chamada, não muito poeticamente, de mu
Arae. (Um ano-luz equivale a aproximadamente 10 trilhões de quilômetros.) O planeta, dos 120 descobertos até agora, é o que
mais se assemelha à Terra.
Ao todo, três planetas giram em torno de
mu Arae. Um tem tamanho semelhante ao
de Júpiter, demorando 650 dias para completar uma órbita. (Júpiter demora pouco
menos de 12 anos.) Outro tem órbita bem
distante da estrela. Mas o terceiro, com
massa apenas 14 vezes maior que a da Terra (a de Júpiter é 317,8 vezes maior), é uma
raridade. Nenhum planeta com massa
comparável à da Terra havia sido encontrado em torno de uma estrela parecida
com o Sol (o caso de mu Arae). Devido à
pouca distância do planeta à estrela, astrônomos suspeitam que ele seja rochoso.
Em nosso Sistema Solar, os quatro planetas internos -Mercúrio, Vênus, Terra e
Marte- são rochosos, enquanto os cinco
externos são compostos principalmente de
gases congelados. A diferença na composição se dá devido ao processo de formação
de um sistema solar. Planetas muito próximos da estrela central são mais quentes, de
modo que gases voláteis como hidrogênio
e metano são evaporados, sobrando principalmente materiais rochosos e metálicos.
No caso do novo planeta, o calor é extremamente intenso: a temperatura em sua
superfície é estimada em aproximadamente 600C. Não tão propício à vida quanto a
Terra, mas ao menos na direção certa.
A descoberta mostra como a ciência
avança rápido. Na semana passada, não se
conhecia planetas extra-solares semelhantes à Terra. À medida que os métodos de
identificação desses planetas distantes forem progredindo, muito provavelmente
outras "Terras" serão descobertas. O planeta encontrado possivelmente tem uma
atmosfera, mesmo que bem mais tênue do
que a nossa. Até 2020, será possível analisar
a composição química das atmosferas de
planetas extra-solares. Se água, ozônio e
oxigênio forem detectados, a probabilidade de vida é muito alta. Um dia, iremos até
lá para ver o que encontramos. Ninguém
gosta de ficar sozinho. Especialmente no
Universo inteiro.
Marcelo Gleiser é professor de física teórica do Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro
"O Fim da Terra e do Céu"
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