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Ciência em Dia
Devagar com o nanoandor
Marcelo Leite
colunista da Folha
Porta arrombada, põe-se a tranca. Depois de penar anos a fio com a reação
social diante dos organismos geneticamente modificados (OGMs), os britânicos
decidiram atuar preventivamente no caso
das nanotecnologias -que lidam com objetos na escala do nanômetro, ou milionésimo de milímetro. Até o príncipe Charles
já começava a pôr areia nelas (macroscopicamente falando), comparando-as com a
talidomida. O resultado da ação precavida
está num relatório divulgado no final de
julho, um bom começo para quem quer se
informar sobre o tema sem cair nas armadilhas do exagero, pró ou contra.
O estudo levou 13 meses para ser concluído. Havia sido encomendado em junho de 2003 pelo governo de Tony Blair à
Sociedade Real (academia de ciências do
Reino Unido) e à Academia Real de Engenharia. O relatório pode ser obtido no site
da Royal Society (www.nanotec.org.uk/finalReport.htm). Seu mandato era estimar
futuros desenvolvimentos da nanotecnologia e seu impacto social e ambiental.
A primeira consideração geral do estudo
vai na linha do comedimento: partículas
dessa dimensão, a mesma de átomos e moléculas, têm tudo para ser quimicamente
muito mais reativas do que outras da mesma substância em escala maior. Isso porque elas têm uma superfície proporcionalmente maior, portanto uma quantidade
maior de átomos e moléculas exposta para
interação com outras partículas.
É a velha história do beija-flor e do elefante contada nas aulas de biologia. Qualquer um pode perceber que o primeiro é
muito mais frenético em seu metabolismo,
e todo aluno aprende que isso tem a ver
com um corpo de área proporcionalmente
maior, em relação ao volume, para perder
calor. Pense em dois cubos, um com 1 cm e
outro com 10 cm de lado, portanto com
áreas de 6 cm2 e 600 cm2, respectivamente,
e volumes de 1 cm3 e 1.000 cm3. A superfície
do cubo maior é só cem vezes a do menor,
mas seu volume é mil vezes maior. O paquiderme tem menos superfície (pele) em
relação ao volume (órgãos e músculos) do
que o beija-flor.
Já que o assunto desviou-se para organismos, serve como deixa para mencionar
um dos temores aventados quanto a nanopartículas: a possibilidade de que atravessem membranas celulares com facilidade.
Como são mais reativas, poderiam desencadear processos químicos indesejáveis no
interior de seres vivos.
O relatório britânico diz que a questão
deve ser levada a sério, mas não demais. "É
muito improvável que novas nanopartículas manufaturadas possam ser introduzidas em seres humanos em doses suficientes para causar efeitos sobre a saúde como
os que têm sido associados com nanopartículas do ar poluído."
De todo modo, o estudo recomenda que
a sua presença em instalações de pesquisa
seja monitorada, pois os cientistas seriam
suas primeiras vítimas. Os concorridos nanotubos de carbono, em que átomos desse
elemento formam uma rede com jeito de
tela de galinheiro enrolada, originam fibras
ultra-resistentes cujas propriedades físicas
fazem suspeitar que sejam tóxicas como as
de asbesto (amianto).
O relatório também exorciza sumariamente o mais popular dos nanofantasmas,
o da "gosma cinza" -temor de que nanorrobôs auto-replicantes cubram a superfície
da Terra, sufocando todas as formas de vida. Começa lembrando que tais máquinas
não existem e termina dizendo, no mesmo
parágrafo, que não há evidência de que venham a existir em futuro previsível.
E-mail: cienciaemdia@uol.com.br
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