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Micro/Macro
As âncoras cósmicas
Marcelo Gleiser
especial para a Folha
Existe uma belíssima hierarquia no
Universo, de padrões que se repetem a distâncias variando de um planeta e
sua lua até aglomerados contendo milhares de galáxias. São objetos girando
em torno de outros, os de menor massa em torno dos de maior, em uma coreografia controlada pela gravidade: a Lua gira em torno da Terra, assim como outras luas em torno de outros planetas. Os planetas giram em torno do Sol, e o Sol
em torno do centro da Via Láctea, juntamente com bilhões de outras estrelas. E a
Via Láctea gira em torno de aproximadamente 20 outras galáxias, pertencentes
ao "grupo local".
Mais precisamente, objetos giram em
torno do chamado centro de massa do
sistema. Por exemplo, se você sentar
com uma pessoa do seu mesmo peso em
uma gangorra, o centro de massa será
exatamente no meio da gangorra. Se a
pessoa for bem mais pesada, o centro de
massa será mais próximo dela. No caso
do Sistema Solar, como o Sol é bem mais
maciço do que todos os planetas, o centro de massa está próximo do seu centro,
mas não exatamente nele. O centro de
massa é a âncora gravitacional do sistema, o ponto em torno do qual tudo gira.
Se o Sol, a âncora gravitacional do sistema solar, gira em torno do centro da
galáxia, então o centro de massa da galáxia, a sua âncora, deve estar bem próximo de seu centro. Até pouco tempo
atrás, não se sabia o que se escondia por
lá: telescópios terrestres não eram capazes de enxergar através da confusão de
estrelas e gás incandescente que existem
na região central da Via Láctea ou de
qualquer outra galáxia. A solução foi utilizar uma combinação de telescópios que
vêem não a luz visível, mas outros tipos
de radiação eletromagnética, as ondas de
rádio e a radiação infravermelha.
Após anos de estudos detalhados, astrônomos descobriram algo de surpreendente: no coração da Via Láctea reside um gigantesco buraco negro, com
uma massa equivalente à de milhões de
sóis. Essa conclusão baseia-se em vários
argumentos: primeiro, nuvens de gás girando em torno do centro galáctico têm
uma forma toroidal (como uma rosca),
emitindo quantidades enormes de radiação. Segundo, bilhões de estrelas também giram em torno dessa região, a altíssimas velocidades.Terceiro, a região central, a âncora gravitacional dessa atividade toda, é extremamente pequena. Apenas buracos negros podem causar tanto
alvoroço em tão pouco espaço.
Essa descoberta não se limita à Via Láctea: todas as outras galáxias, desde as de forma espiral (o caso desta galáxia) até as
elípticas, contêm um buraco negro em
seu centro. O interessante é que, em todas as galáxias estudadas até agora, o buraco negro central tem em torno de 0,5%
(1/ 200) da massa total da galáxia. Resultados como esse não são uma coincidência: eles expressam algo de universal na
formação e no crescimento das galáxias,
uma relação entre a âncora gravitacional
e a sua corte de estrelas e gás.
Aqui reaparece a hierarquia dos padrões cósmicos: o Sistema Solar nasceu
devido ao colapso de uma gigantesca nuvem de gás, rica em hidrogênio, há aproximadamente 5 bilhões de anos. A própria gravidade da nuvem, aliada à sua rotação, fez com que ela assumisse a forma
de uma pizza durante o seu colapso, com
a maioria da massa concentrada em seu
centro. Essa massa central gerou o Sol,
enquanto que aglomerados menores girando à sua volta produziram os planetas. (Esse processo é explicado em meu
livro "O Fim da Terra e do Céu".) Ao menos aproximadamente, a nossa galáxia
repetiu esse mesmo processo de formação, 7 bilhões de anos antes do Sol. Mas a
concentração de massa em seu centro
era tão gigantesca que ela não pôde suportar o próprio peso e entrou em colapso, terminado com um buraco negro.
Recentemente, um outro ramo dessa hierarquia cósmica foi descoberto. Aglomerados globulares contêm milhões de estrelas, entre elas as mais velhas do Universo, com 12 bilhões de anos. O Telescópio Espacial Hubble detectou buracos
negros no centro de dois aglomerados, cada um contendo também 0,5% da
massa de seu aglomerado, a mesma proporção das galáxias. Resta desvendar a
função das âncoras cósmicas no processo de formação de galáxias, sejam elas
pequenas ou grandes.
Marcelo Gleiser é professor de física teórica do Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "O Fim da Terra e do Céu"
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