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Ciência em Dia
Tempo quente na Islândia
Marcelo Leite
editor de Ciência
Entrou em uma nova crise o mais célebre projeto de banco de dados genéticos do mundo, que a empresa deCODE
estava tentando pôr de pé na Islândia. A
idéia era contar com um manancial de
informações para investigar a origem genética de doenças, mas no meio do caminho estava o pedregulho da privacidade.
O novo tropeção foi ocasionado pela
Suprema Corte do país, uma ilha de 103
mil km2 e 288 mil habitantes no Atlântico
Norte, mais ou menos a meio caminho
entre a Noruega e a Groenlândia, mais
conhecida talvez como a pátria da cantora Björk. A decisão contra o banco de dados na realidade foi promulgada em novembro passado, mas divulgada apenas
em islandês... Quando se tornou conhecida em inglês, neste mês, ganhou as páginas noticiosas do periódico científico
britânico "Nature" (www.nature.com).
O tribunal constitucional decidiu a favor de Ragnhildur Gudmundsdottir,
uma estudante de 18 anos que representou contra o banco de dados ainda em
formação para impedir que ele incluísse
informações médicas de seu pai (provavelmente chamado Gudmund, se entendo bem a estrutura dos segundos nomes
islandeses). Embora ele tenha sido um
dos mais de 260 mil islandeses que não se
pronunciaram contra os planos da deCODE anos atrás, sua filha (Gudmundsdottir) queria impedir que o prontuário
do falecido figurasse nos computadores
em associação com sua genealogia e seus
dados genéticos, obtidos a partir de
amostras de sangue.
O argumento da moça era que, no caso
de esse cruzamento de dados levar à conclusão de que seu pai era portador de alguma doença, ou predisposição para
doença, ela também poderia ser identificada como uma pessoa de risco e, assim,
sofrer discriminação -profissional, por
exemplo. A corte lhe deu razão. Mais ainda, juristas islandeses interpretaram a
decisão como um indicativo de que o tribunal considera inconstitucional a lei de
1998 que regulamentou o procedimento
para a criação do banco da deCODE.
Na realidade, os planos da empresa já
estavam no congelador há coisa de dois
anos. De início, houve entusiasmo -inclusive de investidores- com a possibilidade de acelerar a identificação de genes de risco escarafunchando as informações de uma população relativamente
homogênea, com bons registros genealógicos e disposta em sua maioria a ceder
amostras de sangue para análise de
DNA. Em 2002, ele começou a esfriar.
O primeiro tropeço da deCODE foi na
soleira da Autoridade de Proteção de Dados da Islândia. O órgão negou à empresa o acesso amplo aos dados individuais,
mesmo sem identificação da pessoa, que
seriam necessários para montar os "pedigrees" e buscar associações entre perfis
clínicos e genéticos. Segundo Sigrun Johannesdottir, que preside a autoridade,
regras da União Européia permitem unicamente acesso a dados generalizados.
O segundo tropeço foi na porta dos
hospitais. Kari Stefansson, o geneticista-empresário que idealizou o banco garimpável da deCODE, não conseguiu
concluir um acordo sobre a forma de pagamento, pelo sistema de saúde, para obter dados de interesse clínico.
Segundo disse um porta-voz da empresa à revista "Nature", a deCODE já
coletou o sangue de 110 mil adultos em
50 estudos sobre doenças genéticas, mas
por ora só pode usá-las em conexão com
as moléstias especificadas nos estudos.
Parece que entrou numa fria.
E-mail: cienciaemdia@uol.com.br
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