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Micro/Macro
O quantum e a onda
Marcelo Gleiser
especial para a Folha
O grande físico dinamarquês Niels
Bohr, ao receber a Ordem do Elefante de seu rei, escolheu como brasão o
símbolo taoísta do Yin-Yang, o círculo
com duas formas simétricas, uma preta e
outra branca, cada uma com a semente
da outra em seu interior. Como legenda,
Bohr usou "Contraria sunt complementa", os opostos se complementam.
Estranha, aparentemente, a escolha de
Bohr, um dos pioneiros da física quântica, a física dos átomos, de seus núcleos e
das partículas elementares da matéria.
Na verdade, a escolha estava bem de
acordo com a interpretação de Bohr da
estranha realidade do quantum, a chamada Interpretação de Copenhagen.
O desenvolvimento da física quântica
nas três primeiras décadas do século passado foi um dos episódios mais ricos e
dramáticos da história da ciência.
Até o final do século 19, a física era dominada por duas teorias, a da mecânica e
da gravitação newtonianas e a do eletromagnetismo. A mecânica descrevia os
movimentos dos objetos sob ação de forças, incluindo a gravidade. O eletromagnetismo descrevia o comportamento das
cargas elétricas e ímãs, ou melhor, dos
campos eletromagnéticos. Uma das distinções mais claras no mundo clássico
era entre uma partícula, objeto localizado no espaço -em geral visualizado como uma pequena esfera-, e uma onda,
objeto espalhado pelo espaço, sem uma
posição única. Podia-se até dizer que
partícula e onda eram antônimos.
Em 1897, o inglês J.J. Thomson descobriu a primeira partícula elementar da
matéria, o elétron (elementar significa
que a partícula não poderia ser dividida
em outras menores). Já a luz era visualizada como uma onda se propagando pelo espaço numa determinada frequência.
Um dos problemas com a física clássica
era justamente juntar esses dois objetos
em um átomo. Isso porque se imaginava,
no início do século 20, que o átomo era
formado de um núcleo com carga positiva circundado por elétrons com carga
negativa, como um minissistema solar.
Segundo o eletromagnetismo, uma
carga elétrica em movimento acelerado
-como o elétron girando em torno do
núcleo- irradiaria sua energia em ondas eletromagnéticas (como a luz visível). Caso isso fosse correto, o átomo não
poderia ser estável, pois o elétron acabaria caindo em espiral sobre o núcleo.
Em 1913, Bohr sugeriu que o átomo
não obedecia às mesmas regras da física
clássica; uma nova física era necessária.
Passos nessa direção já haviam sido dados pelo físico alemão Max Planck, que
em 1900 mostrou que átomos emitem e
absorvem energia em pacotes, que chamou de "quanta" (plural de "quantum"),
e por Einstein, que em 1905 sugeriu que a
própria luz (ou radiação eletromagnética) também poderia ser interpretada como sendo composta de partículas (e não
só como ondas), que mais tarde receberam o nome de fótons, os quanta de luz.
Com seu átomo, Bohr criou uma nova
entidade, que já não cabia na física clássica. Doze anos mais tarde surge a mecânica quântica, que abandonou de vez a formulação clássica do movimento dos objetos. Não que a física clássica esteja errada -ela só não é aplicável aos processos
que ocorrem nas dimensões atômicas.
No mundo do muito pequeno, onda e
quantum se misturam. E não só na radiação eletromagnética. O elétron e todas as partículas (prótons, nêutrons,
neutrinos etc.) podem se comportar tanto como onda quanto como partícula. A
distinção só existe em nossas cabeças, incapazes de imaginar algo que pode ser
ambos ao mesmo tempo. Os contrários
se complementam, coexistem.
A realidade física do objeto de estudo,
por exemplo um elétron, irá depender de
como a estamos testando: se o experimento for de colisão, ele será partícula, se
de difração, ele será onda. Antes de ele
ser medido, não podemos nem afirmar o
que um elétron é. Ou se ele é.
No mundo quântico, a realidade é determinada através da interação do observador com o observado. Ou seja, é impossível observar o mundo sem interagir
com ele e afetá-lo de alguma forma. Até
que ponto isso é verdade além do átomo
é algo que fica para outro dia.
Marcelo Gleiser é professor de física teórica do Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "O Fim da Terra e do Céu"
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