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Ciência em Dia
Nuvens sobre o programa espacial
Marcelo Leite
editor de Ciência
Logo após o assassinato do diplomata
Sérgio Vieira de Mello em Bagdá, a semana passada foi marcada pelo desaparecimento de outros 21 brasileiros na base de Alcântara, Maranhão.
Todos os 22 morreram em serviço.
Vieira de Mello, a serviço da reconstrução de um país ainda conflagrado que só
tem a perder com sua ausência. Os 21 de
Alcântara, a serviço de um programa espacial num país pobre como o Brasil, que
teria mais a ganhar com sua interrupção.
Esta avaliação não decorre de uma
condenação por princípio do programa,
mas de uma ponderação realista das circunstâncias em que ele poderia prosseguir, com as investigações concluídas.
Por falar nisso, é difícil entender por
que o inquérito para apurar as causas
desse terceiro acidente em três tentativas
com o Veículo Lançador de Satélites
(VLS-1) é conduzido pelas mesmas instituições que deveriam ser investigadas, o
Centro Técnico Aeroespacial (CTA) e a
Agência Espacial Brasileira (AEB).
Nos EUA, a Nasa foi investigada por
comissão presidida por um almirante
que nada tinha a ver com a agência espacial e condenada como responsável pelo
acidente que vitimou os sete astronautas
do ônibus espacial Columbia em fevereiro. A explosão do Challenger, 17 anos antes, tivera entre os investigadores Richard Feynman, Nobel de Física (1965).
De volta às circunstâncias: há que considerar a perda de especialistas talvez insubstituíveis. Algumas das vítimas do
terceiro protótipo do VLS-1 tinham mais
de uma década de trabalho para o CTA.
Esse tipo de especialidade (propulsão e
instrumentação de foguetes) não constitui um mercado de trabalho no qual se
possam recrutar facilmente substitutos.
Isso para não falar, é claro, dos atrasos
crônicos de que padece o programa há
anos, como resultado das verbas sempre
escassas. O ministro da Ciência e Tecnologia, Roberto Amaral, precipitou-se ao
tentar lançar a conta do acidente entre os
débitos de Fernando Henrique Cardoso
(que são muitos, aliás), pois, se o dinheiro curto tiver comprometido a segurança, mais curto ainda terá se revelado o
juízo de quem autorizou o prosseguimento da operação toda.
Por fim, há a esquizofrenia perene do
programa espacial, que é ao mesmo tempo civil (satélites) e militar (foguetes lançadores). A maldisfarçada preponderância da Aeronáutica sobre a AEB, raiz de
muita desconfiança no plano internacional, ficou patente na forma como as informações foram racionadas até meados
da semana. Foram necessários três dias
para obter currículos e fotos de todos os
mortos e a biografia do coronel que presidirá a comissão, cuja composição completa não havia sido oficialmente divulgada cinco dias após o incêndio.
Nada disso -falta de dinheiro e de especialistas, ou controle militar sobre o
programa espacial- parece fadado a
mudar. Se pedir sua interrupção e sua
reavaliação for demasiado, o mínimo a
exigir é independência e profundidade
na investigação -a real homenagem
que se deve prestar a estas pessoas:
Amintas Rocha Brito, Antonio Sérgio
Cezarini, Carlos Alberto Pedrini, César
Augusto Costalonga Varejão, Daniel Faria Gonçalves, Eliseu Reinaldo Moraes
Vieira, Gil César Baptista Marques, Gines Ananias Garcia, Jonas Barbosa Filho,
José Aparecido Pinheiro, José Eduardo
de Almeida, José Eduardo Pereira, José
Pedro Claro Peres da Silva, Luís Primon
de Araújo, Mário César de Freitas Levy,
Massanobu Shimabukuro, Maurício
Biella de Souza Valle, Roberto Tadashi
Seguchi, Rodolfo Donizetti de Oliveira,
Sidney Aparecido de Moraes, Walter Pereira Júnior.
E-mail: cienciaemdia@uol.com.br
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