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Apesar de hoje terem dinheiro para alugar ou construir estúdios, músicos mantêm na memória o sufoco do começo
Fama produz harmonia com os vizinhos
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Os tempos dos ensaios entre
caixas de ovos viraram história.
Hoje, famosos, alguns músicos
usam seus instrumentos para
produzir, além dos tradicionais
ruídos, receita. Mas os tempos de
sufoco não saem da memória.
Fernando Deluqui, guitarrista
do RPM, lembra que, bem antes
do estouro ao lado de Paulo
Ricardo, Luiz Schiavon e Paulo
P.A., nos anos 80, ensaiava com a
sua banda cover dos Rolling Stones na cozinha da casa dos avós
maternos, Tomás e Sofia.
"Minha avó tinha medo de que
a gente quebrasse coisas na casa
e só deixava que os ensaios acontecessem na cozinha. Os ladrilhos,
em vez de abafar, amplificavam
o som. Era uma loucura!"
Quando o tempo estava bom, a
banda de Deluqui transferia os
equipamentos para o jardim, mas
o resultado não era dos melhores.
"As pessoas do prédio ao lado jogavam coisas." Essa "guerra" durou cerca de um ano, mas hoje tudo é lembrado com carinho: "Era
uma festa! Tudo era motivo para
abrirmos mais uma cerveja".
Rock x forró
Andreas Kisser, 33, guitarrista
do Sepultura, sempre teve o apoio
da família, mas não foi poupado
das reclamações de terceiros.
"Sempre acontece, principalmente quando estamos começando."
Foi nessa fase, quando integrava
a banda cover de heavy metal Esfinge, que Andreas enfrentou um
público enfurecido.
"A gente estava ensaiando em
cima de um bar, em São Bernardo
do Campo [Grande São Paulo].
As pessoas queriam ouvir forró
e, por causa do barulho, algumas
subiram e queriam quebrar tudo." Solução? Segundo Kisser,
parece não haver. "A gente quer
fazer barulho mesmo."
Se o início é complicado, a fase
posterior em geral é mais calma.
"A primeira recomendação que
eu dou é: fique famoso!", ensina o
blueseiro André Christovam, 42.
"Os vizinhos passam a achar o
máximo e até pedem para você
ensaiar de porta aberta", conta,
recordando a época em que tocou
com Kid Vinil e Rita Lee.
Apesar da vizinhança amigável
-"a Pompéia é bairro de roqueiro"-, Christovam teve de adaptar uma sala de casa, pois os vizinhos não paravam de reclamar
dos ensaios de sua mulher, Elaine,
formada em piano erudito.
"Sou músico e entendo a necessidade de repetição, mas nem eu
aguento", fala o guitarrista. A solução foi a construção de uma parede de 60 cm de concreto entre a
parede da casa de Christovam e a
do vizinho, com um custo total
-incluindo porta e vidro no lugar da janela- de R$ 3.300.
"A sala é apenas vedada. Depois
pretendo tratar acusticamente a
parte interior."
Prevenido
Considerado o melhor guitarrista de blues do Brasil, o angolano Nuno Mindelis, 44, pode também ser chamado de cauteloso.
Depois de um estúdio com parede dupla e lã de vidro, Nuno
agora tem em casa um estúdio revestido com espuma acústica,
além de areia dentro dos blocos
de concreto. "Posso ter um monte
de defeito, mas essa falta de cuidado com os vizinhos eu não tenho", desabafa o blueseiro.
O guitarrista está prestes a realizar um "teste". Ele irá até a casa do
vizinho, enquanto o filho fica em
seu estúdio, tocando bateria a todo vapor. Tudo porque Nuno planeja gravar um CD em casa, com
sessões de música durante a madrugada. "Quero saber se vai incomodar, porque eu nem conseguiria gravar direito se ficasse
preocupado com isso", conta.
Por incrível que pareça, em vez
de incomodar, é ele quem fica incomodado com uma obra ao lado
da sua casa. "O peão ficou com
bronca minha, porque eu reclamei duas vezes. Agora ele bate
forte com a marreta até eu acordar. Quando eu acordo, ele pára."
(FERNANDA CASTELLO BRANCO)
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