|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OPINIÃO
Hormônio de crescimento: fonte da juventude?
MARCELLO D. BRONSTEIN
ESPECIAL PARA A FOLHA
Espera-se que, por volta
do ano 2050, perto de 25%
da população européia tenha
mais de 65 anos.
O aumento da expectativa de
vida tem levado a esforços para
que a qualidade de vida e a produtividade dos idosos tornem-se
cada vez melhores. Mas, para
muitas pessoas, parece não bastar envelhecer bem: querem na
realidade voltar à mocidade!
Com efeito, a humanidade
sempre teve como paradigma a
beleza, a força e a disposição da
juventude. Temos ao longo da
história várias ilustrações de tentativas de reencontrá-la, como a
busca da fonte da juventude por
Ponce de León no início do século
16 e, mais recentemente, "O retrato de Dorian Gray", na escrita de
Oscar Wilde. Um candidato recentemente lançado a "elixir da
juventude" é o hormônio de crescimento.
O hormônio de crescimento
(GH, de "growth hormone") tem
seu nome derivado da sua função
biológica mais aparente: promover o crescimento da criança e
adolescente até que seja atingida
a estatura final. No entanto, o
GH continua a ser secretado pela
glândula hipófise na idade adulta. Com que finalidade, já que o
crescimento se completou?
Na verdade, o GH exerce várias
outras funções: adultos privados
desse hormônio por doenças da
hipófise têm perda de massa muscular, ganham gordura, descalcificam seus ossos, têm menos energia e força muscular e apresentam distúrbios cognitivos e mesmo depressão. Essas alterações
podem ser revertidas através de
injeções diárias de GH.
Curiosamente, a produção de
GH pelo organismo normal decresce com o envelhecimento,
chegando a níveis muito baixos
após os 60 anos. Em paralelo, várias das alterações descritas acima, principalmente perda de
massa e de força muscular e distúrbios na esfera mental, também são encontradas no idoso
sem doença na glândula hipófise.
Dessa forma, será que a reposição
de GH em idosos saudáveis poderia também ser benéfica?
A conceituada revista médica
"New England Journal of Medicine" publicou, em 1990, estudo clínico de Rudman e colaboradores,
mostrando que homens saudáveis acima de 60 anos, ao receber
GH por seis meses, aumentaram
a massa muscular e reduziram a
massa gordurosa, além de obterem pequeno aumento na densidade dos ossos.
Esse estudo teve grande interesse no meio médico sério, mas provocou verdadeiro furor na imprensa leiga, com alguns jornais e
revistas de grande impacto alardeando a descoberta do "elixir da
juventude". Estaríamos frente a
uma realidade?
À medida que outros estudos
sérios de reposição de GH em idosos foram sendo realizados, verificou-se que, apesar do ganho na
massa muscular, a maioria dos
trabalhos não mostra que a força
muscular e a capacidade aeróbica tenham sido beneficiadas: na
verdade, estudos em idosos comparando indivíduos em uso de
GH com outros desempenhando
exercícios físicos mostraram que
a força muscular e a capacidade
aeróbica tiveram melhora apenas nestes últimos!
Finalmente, o uso de GH não
melhorou a massa óssea nem os
distúrbios cognitivos de idosos.
Por outro lado, mesmo com doses
consideradas "seguras", foram
evidenciados efeitos colaterais,
como inchaço, dores articulares e
musculares, distúrbios dos nervos
periféricos e diabetes.
Apesar dos estudos não terem
evidenciado aumento da incidência de câncer, não podemos
esquecer que o GH promove proliferação das células e que os idosos constituem um grupo em
maior risco de tumores.
Apesar das evidências contrárias ao uso indiscriminado de GH
em idosos saudáveis, o trabalho
pioneiro de Rudman vem servindo indevidamente de base para
que profissionais mal-intencionados, ou não aprofundados no
tema, indiquem essa reposição.
Mais ainda, pode-se encontrar
na internet sites com enxurradas
de produtos proclamados como
"GH" ou "estimulantes do GH",
"ativos" por via oral e vendidos
sem receita médica. A tônica da
propaganda baseia-se no preço
muito inferior ao do GH e na não
necessidade de injeções.
Obviamente esses produtos não
passaram pelo crivo de estudos
sérios, e nem todos os anúncios
vinculados na web ressaltam que
não foram aprovados pela FDA,
a agência americana controladora de medicamentos. Torna-se difícil entender como não há proibição para esse engodo!
A redução na produção do GH
com o envelhecimento pode ser
vista através de duas perspectivas, não necessariamente excludentes: 1) representa um quadro
de deficiência hormonal que pode ser tratada em determinadas
situações; 2) seja uma adaptação
ao envelhecimento, no sentido de
proteger o idoso de problemas
inerentes a essa faixa etária, tais
como hipertensão arterial, insuficiência cardíaca, diabetes mellitus e neoplasias malignas.
Assim, é imperativo estabelecer
um equilíbrio entre os dois pontos de vista, selecionando rigorosamente o idoso a ser reposto com
GH, como, por exemplo, aquele
debilitado e sem possibilidade de
exercitar-se.
Dessa forma, enquanto não se
comprove cientificamente a eficácia de drogas candidatas à fonte da juventude, a alimentação e
a atividade física adequadas e o
controle de fatores de risco como
fumo, diabetes, colesterol e pressão arterial persistem sendo as
melhores recomendações para
uma vida saudável e prolongada.
Marcello D. Bronstein é médico endocrinologista
Texto Anterior: Lugares fechados devem ser evitados Próximo Texto: DNA: "Consórcio" garante exame de paternidade Índice
|